Transcrição da aula pública "Mídia, poder e escândalos políticos no Brasil. O que está por trás da crise?"
Mídia,
poder e escândalos políticos no Brasil.
O
que está por trás da crise?
Fábio
Fonseca de Castro
Doutor em Sociologia. Professor
da Faculdade de Comunicação, do Programa de Pós-graduação Comunicação, Cultura
e Amazônia, ILC-UFPA e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Sustentável
do Trópico Úmido, NAEA-UFPA
Transcrição
da aula pública ocorrida no dia 22 de maio de 2017
Boa tarde a todos, começo agradecendo o convite
da Faculdade de Comunicação e do Programa de Pós-graduação Comunicação, Cultura
e Amazônia da UFPA para fazer esta aula pública. Essas duas unidades têm sido
ativas e presentes no processo de reflexão e de discussão a respeito do
processo político e social em curso no Brasil, o que é louvável e muito
importante.
Vou dividir minha fala em três momentos. No
primeiro, vou trazer alguns elementos que nos ajudem a construir uma análise da
conjuntura nacional após a delação dos proprietários da JBS no último dia
17/05, cinco dias atrás, portanto. No segundo momento, vou agregar alguns
elementos para refletirmos sobre a posição da Rede Globo e dos demais veículos
da grande mídia golpista nessa conjuntura. Por fim, a partir da inserção do
papel da mídia nessa conjuntura, buscarei trazer alguns elementos de economia
política da comunicação que nos permitam construir uma agenda de enfrentamento
do golpe e de luta pelas Diretas Já.
Mas
antes de passar à análise de conjuntura, quero fazer uma constatação de partida
e lançar algumas perguntas que, imagino, são as perguntas que nos trazem a este
debate.
A
constatação de partida
– e imagino que ela seja um ponto passivo entre todos que estão aqui – é a
percepção de que as empresas Globo instrumentalizaram o episódio da delação dos
empresários da JBS para decretar o fim do governo Temer. O ponto mais evidente
desse processo, o que centraliza esse comportamento editorial, foi o editorial
de O Globo de sábado, dia 22/05, que exigia, de maneira contundente, a renúncia
de Temer.
Isto dito, passemos às perguntas de partida:
Pergunta 1: Por que essas denúncias aconteceram,
por que vieram à tona da maneira como vieram e o que está por trás desses
eventos?
Pergunta 2: Qual o objetivo tático desse golpe
dentro do golpe?
Pergunta 3: Como se posicionam os outros atores
políticos de apoio ao governo diante das delações?
Pergunta 4: Teria a Globo participado dessa articulação
do golpe dentro do golpe?
Pergunta 5: Por que a Globo rompeu com Temer?
Pergunta 6: Como se posicionam os demais atores
midiáticos, na conjuntura, em relação à posição da Globo?
Pergunta 7: Quais as consequências possíveis para
a Globo, a partir desse movimento?
Pergunta 8: O que fazer com a rede Globo na
eventualidade de um governo democrático?
Pergunta 9: Qual
o futuro da Rede Globo?
Pergunta 10: Como o
governo golpista se posiciona em relação à mídia, em geral, e em relação à
televisão e rádio públicas, em particular?
As três primeiras questões ajudam a refletir
sobre a conjuntura política recente e as demais indagam sobre o papel da grande
mídia golpista nessa conjuntura. Procuro respondê-las no tópico seguinte e, às
demais, no tópico posterior.
I. Elementos para a
análise da conjuntura após as delações da JBS
Elemento 1: A polarização do tecido golpista
É a resposta para a pergunta 1: Por que essas
denúncias aconteceram, por que vieram à tona da maneira como vieram e o que
está por trás desses eventos? Minha impressão é de que o que leva às delações
da JBS é uma polarização, com potencial de ruptura, entre os dois corpos
sociais que sustentam o golpe: de um lado os grandes partidos golpistas,
associados aos grandes veículos de comunicação, ao empresariado, aos ministros
Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes do STF, a setores do Ministério Público e
da Polícia Federal e ao juiz Moro. De outro lado, uma classe togada que reúne
inúmeros procuradores e juízes e que se constrói em torno do Ministério
Público, com ramificações importantes na Polícia Federal. Os dois grupos têm
unidade em torno do programa econômico do golpe – ou seja, em torno das
reformas neoliberais – e, igualmente, aceitam a adoção de medidas de exceção
para criminalizar as forças democráticas e populares.
As delações constituem um trunfo deste segundo
grupo, que aparentemente está em processo de rompimento com o primeiro grupo –
não porque sejam defensores do estado de direito ou da democracia, mas porque
vislumbram uma oportunidade de ampliar seu poder no Estado brasileiro. Nesse
contexto, percebe-se uma ruptura em curso entre a Procuradoria Geral e o juiz
Moro. O golpe dentro do golpe pode produzir, também, uma Lava Jato dentro da
outra.
Esse elemento oferece resposta, também, para a
segunda pergunta que coloquei acima: Qual o objetivo tático desse “golpe dentro
do golpe”?
Como disse, o “golpe dentro do golpe” aparenta
ser um oportunismo da classe togada, que tem em comum, com o outro grupo, uma
visão elitista da realidade brasileira, a intenção de preservação da política
econômica neoliberal e a hostilidade ao PT. As denúncias, ao envolverem Temer e
Aécio, teriam força suficiente para “limpar” o golpe e afastar a camada mais
corrupta e intransigente do controle da situação.
De quebra, seria possível, por meio de eleições
indiretas, colocar na presidência um quadro técnico - Henrique Meirelles,
ministro da Fazenda, por sinal ex-funcionário da JBS até 2016 – com predomínio
dessa classe togada nos destinos da nação.
Elemento 2: A posição de Janot
O Procurador Geral da República,
Rodrigo Janot, é o grande articular da classe togada que apoia o golpe no golpe
– com as “ilustres” exceções de Gilmar, Alexandre de Moraes e Moro.
Evidentemente é o grande articulador das delações, da operação de apuração
movida pelo MP e pela PF e do vazamento final. O estrito controle da operação
evitou a blindagem de Aécio e desmoralizou o núcleo de Curitiba, tomando a
liderança da Lava Jato. De quebra, avançou sobre Gilmar Mendes, sabido desafeto
de Janot.
Fica bem mais fácil entender por que
tudo isso está ocorrendo – e, assim, responder às perguntas 1 e 2 – quando se
percebe que:
1) Janot tem até o final de maio para
decidir se concorre ou não a um novo mandato de Procurador Geral;
2) o vazamento das delações ocorreu no
dia seguinte a um pronunciamento de Temer no qual este declarou que não tinha
compromisso de indicar o primeiro nome da lista tríplice que os procuradores
lhe enviassem.
3) o vazamento das delações ocorreu uma
semana depois do bastante noticiado bate-boca entre Janot e Gilmar Mendes.
Elemento 3: Os
pronunciamentos de Temer no sábado
Pouco a dizer. Temer puxa o próprio cabelo para sair da areia movediça. A
maneira como se agarrou a uma suposta perícia encomendada pela Folha corroeu o
que restava à dignidade do posto que ocupa. Sua fala não teve credibilidade e
serve, se muito, para enviar mensagem ao PSDB de que não é hora de deixar o
governo e, se pouco, para evitar a prisão de seu grupo mais próximo.
Elemento 4: O fato da PF de Brasília tomar à frente da Lava
Jato
É um dos fatos maiores do contexto pós-delações.
Em primeiro lugar porque, como disse, desmoralizou o núcleo de força-tarefa de
Curitiba da Lava Jato. Em segundo, porque fortaleceu o controle de Janot, e dos
grupo dos togados, sobre a operação. Por fim, porque impediu a blindagem de
Aécio.
Esclareço que a desmoralização referida se deve
ao fato de que, pela primeira vez desde seu início, a Lava Jato teve seu modus
operandi modificado – a bem dizer, profissionalizado. Deixou de funcionar com
seu habitual espalhafato, denuncismo e vazamentos para efetivar uma
investigação consiste e com provas documentais válidas, com impacto num
processo de negociação de delação premiada que tem sentido, do ponto de vista
jurídico.
Elemento 5: O impasse na agenda golpista
A crise impacta fortemente
em três episódios em curso: a votação da reforma da
previdência na Câmara dos Deputados, a votação da reforma trabalhista no Senado
e a decisão de Moro sobre Lula.
A batalha da reforma da previdência pode ter uma reviravolta a
favor dos interesses do povo brasileiro. Como se sabe, o governo interino de
Temer já recuou em alguns pontos. Além disso, cabe lembrar que uma vitória
contra o governo, nessa questão, produziria um impacto forte na opinião
pública, produzindo a percepção de que a greve geral é um
instrumento de luta válido e eficiente.
Em relação à votação da
reforma trabalhista, de mais difícil percepção e, consequentemente, também de
mobilização popular, trata-se de uma vitória talvez um pouco mais difícil, e
que, justamente por isso, caso ocorra, de peso simbólico decisivo para a
erupção das forcas de apoio a Temer.
Por fim, em relação à
provável condenação de Lula por Moro, no caso do tríplex, a conjuntura parece
ampliar as possibilidades de que isso ocorra, pois as delações produzem uma
cortina de fumaça e reforça o falso julgamento de que “todos roubam e são
culpados”.
Também é preciso perceber que quanto mais tempo
for sangrada e permanecer no governo maiores são as chances de que reformas
percam força e sejam abandonadas.
Elemento 6: A sucessão de Temer
A possibilidade das Diretas já, a única solução
justa e capaz de restabelecer a legitimidade do poder, parece improvável – a
depender da mobilização das ruas. Para aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional
(PEC), é necessário cerca de 6 meses – e isso se for tratada com toda pressão
política possível, como foi o caso da PEC 55, a do teto dos gastos públicos.
Fora isso, o TSE precisa, também, de um tempo, ao menos três meses, para
organizar as eleições.
Na eventual renúncia de Temer, ou na
possibilidade – cada dia mais provável – de que o TSE julgue inelegibilidade da
chapa Dilma/Temer, como se sabe, a situação tende a conduzir para eleições
indiretas – pois os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício
Oliveira, reproduzem, por seu envolvimento na Lava Jato e em inúmeras outras
situações, justamente o modelo a evitar no processo de “assepsia do
golpe”. Quanto a Carmem Lúcia,
presidente do STF, certamente não tem condições pessoais de assumir o governo
do país numa situação de crise extrema.
Além
da ameaça das indiretas, que embora ilegítimas possuiriam o apelo (insustentável)
do argumento da constitucionalidade é preciso estar muito atento para o risco
de uma
alteração constitucional que adie ainda mais o processo eleitoral democrático.
É preciso pensar nisso porque a crise institucional caminha para se tornar uma
crise de regime, caso em que forças muito estranhas e mesmo inusitadas podem
lançar mão do Estado.
De
todo modo, já ou em 2018, tem-se uma tendência à polarização entre uma esquerda
desunida, mas representada por Lula e uma direita absurda, agregada em torno da
opção que estão chamando por aí de BolDo: ou seja, ou Bolsonaro, ou Dória.
Elemento 7: A decomposição do governo Temer
Esse elemento diz respeito à terceira pergunta
que fiz acima: Como se posicionam os outros atores políticos de apoio ao
governo diante das delações?
A resposta é incerta, porque a idéia de dar um
golpe dentro do golpe, num movimento fulminante e certeiro – na qual embarcou a
Rede Globo – não funcionou. E não se sabe se funcionará. Aparentemente, o
governo Temer foi ferido de morte, mas ainda cambaleia. Procura evitar a
provável prisão e busca recompor sua base de apoio.
No campo político-partidário, ao que se percebe,
todos foram pegos de surpresa. PPS e PSDB ameaçam sair do governo – o primeiro
deles já tendo iniciado esse processo, que se se realizar integralmente, tira
30 deputado na base governista.
Necessário completar que nenhum dos agentes
golpistas, mesmo com a evidência da inocência de Lula e com a extensão provável
das delações, que aproximam Aécio Neves e o PSDB até do narcotráfico, assinalam
uma saída que passe pelas Diretas já ou por qualquer forma de protagonismo
popular.
II. A posição da Rede
Globo e dos demais veículos da grande mídia golpista na conjuntura
A maioria das perguntas que coloquei no começo
desta fala dizem respeito, como é a proposta do debate, a refletir sobre o
papel da grande mídia golpista e em especial das empresas Globo, na conjuntura
após das delações da JBS.
Pergunta 4: Teria a Globo participado dessa
articulação do golpe dentro do golpe?
Embora seja grande a tentação de responder que
sim, porque sabidamente a Globo conspira e articulou todas as etapas do golpe
de 2016, é mais provável que não, afinal foi visível o estado de exaltação e de
surpresa com que a Globo agiu no momento em que as denúncias foram vazadas. O
espaço de tempo entre o vazamento e sua primeira divulgação, em boletim
especial transmitido em rede por volta das 18h do dia 17/05 parece ter sido
pequeno, apenas o suficiente para que se tomasse a decisão editorial de pedir a
renúncia de Temer.
Pergunta 5: Por que a Globo rompeu com Temer?
Para não afundar junto com ele, provavelmente, e
para fazer essa “limpeza” do golpe, preservando a política neoliberal. As
delações ameaçam a estabilidade do golpe e, portanto, as reformas trabalhista e
previdenciária
– bem como o restante da agenda golpista.
Nesse cenário, pesando
também nele a exitosa greve geral do dia 28/04, torna-se provável nova greve
gerai, com ampla adesão de sindicatos e das classes médias. Ou seja, as ruas
podem ferver. Em
complemento, o ministro Gilmar Mendes, do STF, que também aparece nas delações,
pode ser submetido a impeachment, o que abalaria a credibilidade do próprio STF
junto às camadas da população que apoiaram o golpe. Por fim, nesse contexto, a
própria prisão de Lula fica ameaçada.
Pergunta 6: Como se posicionam os demais atores midiáticos, na
conjuntura, em relação à posição da Globo?
Este elemento contém a resposta para parte da
terceira questão: Como se posicionam os outros atores políticos e midiáticos?
No que tange ao campo midiático, deve-se observar que os jornais Estado de São
Paulo e Folha de São Paulo não acompanharam a narrativa da Globo. Com efeito, a
postura da Globo parece ser a grande incógnita que encobre possíveis segredos,
ainda não assimilados pelo restante da mídia golpista.
De um lado, a Globo, apoia “o golpe dentro do
golpe” e, de outro, os demais veículos da grande mídia golpista ou continuaram
a apoiar ou adotaram uma postura dúbia em relação a Temer. Perceba-se que a
Folha construiu os laudos e as suspeitas de que o áudio tenha sido forjado, oferecendo
a Temer os elementos de sua tentativa de salvação no seu segundo
pronunciamento, ocorrido sábado 20/04. No mesmo movimento de desvalidação das
denúncias, o Estadão noticiou, no mesmo dia, que um ex-assessor, ainda muito
próximo de Janot trabalha no escritório contratado para negociar a delação de
Joesley Batista. Por sua vez, a Globo também contra-atacou, divulgando que o
áudio de 38
minutos dessa
gravação coincide com a programação no horário da rádio CBN, onde estava sintonizado o
rádio do carro de Joesley.
Pergunta 6: Quais as consequências possíveis para a Globo, a partir
desse movimento?
A escolha da Globo é arriscada. Ao ingressar num
processo de polarização ao Estadão e à Folha e, ainda, talvez, ao grupo Abril,
ela rompe a coerência discursiva de apoio a Temer. A evolução do cenário pode
resultar, assim, numa consolidação da sua hegemonia sobre as decisões políticas
ou numa condição de vulnerabilidade.
Pergunta 8: O que fazer com a rede Globo na
eventualidade de um governo democrático?
Com o golpe, temos certeza de uma coisa:
Democracia e Rede Globo não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo. A Globo
é beligerante e reincidente. Para ter certeza disso basta lembrar dos dados
apresentados por Lula em seu depoimento a Moro: de que, ao longo de um ano, o Jornal
Nacional dedicou 18h15’ em matérias contra ele, Lula.
A constatação é evidente: é preciso questionar
juridicamente o monopólio da Globo e trabalhar por uma revisão das concessões
de radiodifusão no país.
Porém, evidentemente, essa batalha é longa e
difícil. Então não é possível concentrar nela todas as forças da democracia. É
também preciso fustigá-la economicamente, diminuindo e mesmo cortando
completamente as verbas públicas de publicidade aplicadas nela e atraindo novos
investidores, que possam fazer frente às empresas Globo com novos negócios ou
mesmo com o negócio da TV aberta.
Pergunta 9: Qual o futuro da Rede Globo?
Há muito tempo a Globo está cambaleando. Por
dois motivos estruturais: primeiramente porque o negócio da TV aberta está
condenado. Está condenado pela tecnologia, pelo modo de produção e de consumo
do audiovisual e pelo processo de convergência midiática em curso. Netflix,
Google, facebook, Youtube e sobretudo as empresas telefônicas estão condenando
a TV aberta à extinção. Para a Globo, é questão de tempo.
Em segundo lugar, porque a Globo é uma empresa
mal gerida. Em 2004 ela quase faliu, foi salva por Carlos Slim, o magnata
mexicano das comunicações, dono da Televisa, que exigiu em troca o controle da
Net. Recentemente, a empresa, também em apuros, foi salva pelo BNDES – ainda
que, curiosamente, hoje critique a BJS por ter sido beneficiada pelo mesmo
banco e com as mesmas condições...
E é preciso saber que a Globo é mal gerida
porque seus sócios, periodicamente, a descapitalizam. Nos últimos três anos a
empresa distribuiu cerca de 5 bilhões de reais aos acionistas. Ademais,
atualmente a Globo ganha dinheiro com os juros das suas aplicações financeiras
do que com a venda de espaço publicitário.
Nesse contexto, aparentemente, o futuro da Globo
é ser vendida. Ou melhor, é ser comprada... por Carlos Slim, é claro. Ele já
possui a Net e duas grandes empresas telefônicas, a Claro e a Embratel.
Pergunta
10: Como o governo golpista se posiciona em relação à mídia, em geral, e em
relação à televisão e rádio públicas, em particular?
Em relação à mídia golpista, o governo interino
tem sido generoso e mesmo absurdamente cúmplice. Os gastos de Temer com
publicidade subiram cerca de 934% em seus primeiros meses de governo, em
relação ao mesmo período do governo Dilma, numa política abertamente
favorecedora dos veículos que apoiaram e forjaram o golpe. Alguns dados ajudam
a compreender as escolhas feitas:
·
os gastos com
publicidade em jornais impressos cresceu de 1% para 7%
·
os gastos com internet
caíram de 17% para 13%
·
os gastos com a TV
Globo cresceram 23%
·
os gastos com a Abril,
a editora da revista Veja, subiram de 52 mil reais para 380.770 mil, num incremento
de 624%
Para completar, destaco alguns números curiosos,
que parecem sugerir, particularmente, a perversidade do governo interino:
·
os gatos com a
Fundação Nossa Senhora Aparecida, mantenedora de canal de televisão católico,
subiram 500%
·
os gatos com para
Fundação João Paulo II, de igual fé e compromisso, subiram 337%
·
os gatos com a revista
Caras, se elevaram em 2.472,9%
Em relação à EBC, primeira e única empresa
pública de comunicação brasileira de extensão nacional, criada no governo Lula,
é fundamental destacar o maciço ataque que ela está sofrendo durante o governo
golpista. Em primeiro lugar, a absurda tentativa de demitir seu presidente,
ocorrida logo na primeira semana do governo interino e revertida na justiça. Em
segundo lugar, a dissolvição do seu Conselho Curador.
Quero assinalar que acabar com a EBC, alem de um
desperdício de mais de R$ 2,6 bilhões de reais investidos na sua constituição,
significa:
·
acabar com o mínimo do
contraditório presente na mídia nacional
e com a única estrutura de radiodifusão aberta, em nível federal
·
acabar com 9 rádios
públicas, dentre as quais duas - a Rádio Nacional da Amazônia e a Rádio
Nacional Alto Solimões – inseridas em contextos que não são alcançados por
nenhuma rádio comercial
·
acabar com a
Radioagência e com a Agência Brasil, que produzem conteúdo acessível
gratuitamente por rádios de todo o Brasil e do mundo
·
acabar com o “Caminhos
da Reportagem”, um programa jornalístico hiperpremiado e que explora temas que
não são tratados pelas emissoras comerciais
·
acabar com o “Estação
Plural”, primeiro programa em TV aberta apresentado por um transexual
·
acabar com
“Guilhermina e Candelário”, primeira animação infantil protagonizada por
crianças negras
·
acabar com “Igarapé
Mágico”, que tem como personagens animais da fauna brasileira, do norte do
país, dos igarapés, da Amazônia
III.
A agenda de enfrentamento do golpe e de luta pelas Diretas Já pela comunicação
O objetivo desta terceira parte é trazer alguns
elementos do debate sobre economia política da comunicação que nos permitam
construir uma agenda de enfrentamento do golpe e de luta pelas Diretas Já.
Relaciono-os a seguir.
Tarefa
1: Recuperar o discurso
Política é comunicação e comunicação é política.
Um dos grandes erros das esquerdas contemporâneas é separar as duas coisas,
como se comunicação fosse apenas comunicação. Ou seja, como se as palavras
tivessem o direito de serem vazias de compromisso.
O grande exemplo disso é o erro discursivo do
governo Dilma ao se render à narrativa liberal e abandonar a pauta que o
reelegeu pelo discurso de austericídio da direita, assumindo posições que
traiam não apenas o voto recebido mas a própria história do PT.
Num contexto de narrativas falsas e de
superposição de narrativas, mais do que nunca é importante, para as esquerdas –
e, sobretudo, para o enfrentamento do golpe – recompor a coerência das suas
próprias narrativas.
Tarefa
2: Recuperar a coerência
Refiro-me aos erros políticos da comunicação. As
esquerdas têm uma dificuldade atávica com a comunicação. Seu grande problema
não é comunicar mais e nem comunicar melhor – embora isso também possa ser um
problema - mas, fundamentalmente,
manter a coerência entre comunicação e política – como o discurso de Lula, por
exemplo.
Poucos políticos, de esquerda ou direita,
conseguem produzir esse efeito de coerência, e isso é, de fato, cadê vez mais
difícil nas sociedade contemporânea. A tendência é acreditar que basta investir
na intensificação e na qualificação da comunicação, mas, no caso da esquerda,
isso gera problemas insuperáveis de confiança e de credibilidade, porque a
essência de ser de esquerda, no seu sentido histórico, é o compromisso com a
coerência.
Tarefa
3: Combater o monopólio
A questão da pluralidade social na comunicação e
a da democratização da comunicação sempre foram, declaradamente, compromissos
do PT. Não obstante, no poder, o partido fez muito pouco por esses compromissos.
Sem admiti-lo e sem fazer essa autocrítica não é Possível recuperar a coerência
sobre a qual falei há pouco.
Faz parte dessa autocrítica admitir que, no
poder, PT empreendeu uma política de sustentação financeira da mídia
conservadora e que, nesse processo, a Rede Globo foi particularmente e
especialmente beneficiada, recebendo cerca de R$ 8 bilhões em publicidade oficial
durante os governos do PT. O custo dessa escolha foi imenso, não apenas para o
partido mas, também, para o país. Um desperdício de recursos públicos, com altíssimo
custo social e efeitos sabidos sobre a democracia e os direitos sociais.
Tarefa
4: Firmar a agenda da democratização da mídia
Não custa lembrar – embora pela centésima vez –
o que deve ser feito quando a esquerda chegar novamente ao governo federal.
Listo as tarefas de uma agenda mina e fundamental, para que as tenhamos em
mente e saibamos porque devemos lutar pela democracia:
1.
Garantir o cumprimento
do princípio constitucional da proibição de outorgas de radiodifusão para
deputados e senadores;
2.
Investir maciçamente
em fibra óptica: em banda larga de qualidade e com baixo custo final para o
consumidor;
3.
Investir num sistema
de financiamento republicano, democrático e generoso do jornalismo e da cultura
digital não-corporativos;
4.
Investir em cursos
populares de crítica midiática
5.
Investir maciçamente
na EBC, dotando-a de fonte própria de financiamento;
6.
Restabelecer o Conselho
Nacional de Comunicação;;
7.
Combater aos
arrendamentos e as subconcessões de horários no rádio e na tV;
8.
Combater o livre mercado
de compra e venda de outorgas de rádio e TV;
9.
Fiscalizar e
responsabilizar as emissoras e os jornais por violações de direitos humanos na programação;
10. Encerrar
o processo de criminalização das rádios comunitárias e desenvolver mecanismo
republicanos de apoio e de ampliação do número de outorgas.
Tarefa
5: Fazer a desobediência civil
Reler
Thoreau e fazer a desobediência civil é a grande arma. Não temos uma única grande
arma midiática, um único grande veículo a nosso favor, mas podemos realizar uma
desobediência civil sistemática e gradativa, nos pequenos espaços de
visibilidade e, principalmente, utilizando a internet.
Por
um lado, a luta contra o golpe precisa de articulação inteligente e crítica e
de muita difusão. Nesse plano, ela precisa de debate público ativo – como o que
estamos fazendo aqui, a partir da universidade pública – e, por outro, precisa
de atos de rebeldia e de disseminação, como por exemplo mudar o nome das nossas
redes wi-fi para frases de hashtag, como Lula 2018 ou ForaTemer.
Sobretudo, penso que temos um espaço e uma
missão, aqui, na universidade pública, de participar do processo político em
curso de maneira mais intransigente e critica, procurando meios de refletir a
respeito do avanço conservador em curso e de denunciá-lo. A reconstrução da
democracia e da República se faz com palavras e com a ação formativa e
reflexiva.
Obrigado!
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