Hoje
acordei com meu whatsapp em polvorosa: umas mil mensagens em torno das eleições
no UK e da fragorosa derrota trabalhista. Dúvidas, explicações, ponderações e
críticas. Explico: faço parte de um grupo de zap de brasileiros democratas que
moram na Inglaterra. De dois, aliás. Como morei lá por 6 meses, em 2017-18, fiz
alguns amigos e conheci muita gente nesses meios, formados por imigrantes
progressistas, sejam pesquisadores ou trabalhadores, conscientes e críticos do
fascínio conservadorista no Brasil, de todas as áreas e de todos os campos.
Pois
bem. O assunto do dia foi esse: a maior derrota do trabalhismo inglês desde
1935 (em pleno crescimento do fascismo na Europa, com sintomas muito
semelhantes aos que vemos, atualmente, na sociedade global). Note-se, que os contornos dessa tragédia trabalhista incluem a perda do distrito de Wrexham, onde os trabalhistas não perdiam há 84 anos. O que isso
demonstra? Na superfície, que os britânicos querem mesmo o Brexit e está
acabado. A meio metro de profundidade, que os britânicos só concebem um
trabalhismo (e um socialismo) “de centro”;e está acabado. Mais a fundo, que os
britânicos também estão envolvidos pelas utopias conservadoras – lamentáveis e
espúrias – que estão no centro do jogo político mundial, nestes tempos.
Fatos - Os fatos objetivos são os
seguintes: os conservadores, que tinham ganharam 66 cadeiras no Parlamento,
ficando com 365; os trabalhistas perderam 42 cadeiras, ficando com 203. O
partido Escocês ganhou 13 cadeiras, ficando com 48; os liberais-democratas
perderam 10 cadeiras, ficando com 11 e os verdes mantiveram sua única cadeira –
afora os afiliados a outros inúmeros partidos, que passaram de 49 assentos para
22, o que faz grande diferença no cenário.
Fatos
proporcionais – No UK o voto é distrital: quem ganha no distrito, leva. Mas os
votos que não “levam” atestam um espectro político importante, que influencia
no debate público e na postura dos parlamentares. Nesse sentido, é preciso
considerar que os conservadores obtiveram 13,9 milhões de votos, o que significa
um crescimento de apenas 1,3% na sua votação, enquanto os trabalhistas
obtiveram 10,2 um decréscimo de 7,8% no seu eleitorado. Vista por esse ângulo,
a vitória conservadora não é tão importante, embora a derrota trabalhista o
seja. Um tanto mais estranho é o fato de que os liberais democratas perderam
50% de suas cadeiras, mas receberam 4,2% a mais de votos que nas eleições anteriores. Observe-se que os lib-dems se tornaram, ao que percebo, os paladinos de um 2o referendo sobre o Brexit - razão provável da sua derrota. Como sempre, em política, é preciso relativizar para entender melhor.
Ponderação
- Não tenho nenhuma autoridade para falar sobre política do UK. Na verdade,
passei os 6 meses que morei lá tentando entender o que é o Labour e não
consegui. Então, isto que digo aqui não é uma opinião abalizada e bem formada. É apenas uma opinião crítica, formada a partir de uma pequena experiência
própria, de muita conversa com amigos, brasileiros e britânicos e da leitura do
The Guardian.
Leitura – Então, em síntese, apuro
que a derrota Labour se deve aos seguintes motivos: 1) A famosa mudança nas regras
internas do partido trabalhista, que permitiu que todos os filiados votassem
nas decisões internas, levou a uma radicalização do partido. A ala centrista
perdeu forças e deixou de representar o Labour, como nos tempos de Tony Blair,
gerando uma polarização que, no caso do UK, tende a levar à vitória
conservadora. 2) A consolidação da aposta do país no Brexit, devida talvez ao cansaço em relação ao tema (soube que criaram lá um canal de televisão se notícias que tem a peculiaridade estranha de não falar sobre o Brexit). Os antecessores conservadores de Boris Johnson, David Cameron e Theresa May, convocaram eleições para obter a maioria e definir o Brexit, mas não lograram obtê-la. Isso sugere que o UK preferia um Brexit suave, mas que agora percebeu que se a conta tem que ser paga, que o seja logo - dando ampla vitória a Johnson para fazer o Brexit que desejar. Em spintese: o UK deseja o Brexit e deseja-o hard e para já.
Excurso – É claro que essa norma não
se repete, necessariamente, no BR, vou logo dizendo – para constar. Mesmo porque a rejeição ao líder
trabalhista chegou à marca dos 59%, segundo as pesquisas locais, o que não se
assemelha ao caso brasileiro e porque, no BR, quem polariza é a direita, e não
a esquerda.
Na imagem - Capa do jornal conservador The Times.
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