Todas as religiões monoteístas, em algum momento da sua história, tiveram uma atitude violenta e excludente em relação às imagens. Aparentemente, a problemática que os monoteísmos desenvolvem se refere à ameaça que as imagens alocam ao deus que propõem. Sendo único, talvez, seja um Deus mais vulnerável. Sendo único, concatene, talvez, o fulcro de todas as representações. Para se afirmarem, essas religiões monoteístas precisam negar a imagem. Elas eram vistas como um sucedâneo, como uma ameaça à unidade – e, portanto, à coerência – de toda representação. A imagem poderia evocar a idéia de uma duplicidade de deus, ou de uma condição de emanação autônoma de deus, um semideus, por exemplo, ou, ainda, um outro deus.
Lembremos que a natureza própria da imagem é ambivalente. O antropólogo Jack Goody trata dessa ambivalência própria das imagens. Ele observa que as imagens nascem por meio de uma atitude que visa a representar o que está ausente.
Podemos dizer que as imagens encarnam o imaterial e, assim, são e não são ao mesmo tempo. E isso é uma condição que nenhum outro ser, ou nenhum outro ente, possui.
Isso tudo é paradoxal porque a ambivalência da imagem não é, simplesmente, um doutrina. Ela é real. Ela é empírica, ela é a própria condição de existência da imagem. E, como tal, é o próprio coração desse sistema de pensamento que é o monoteísmo. Ou seja, o monoteísmo parece surgir com uma consciência aguda dessa situação de paradoxalidade de tudo que é representação.
Assim, na verdade, os monoteísmos são sistemas de pensamento que fazem, na verdade, um grande uso da imagem.
Para ilustrar essa tendência, lembremos que as primeiras imagens da iconografia cristã, surgidas por volta do ano 200, figuravam raramente Jesus Cristo e não figuravam, jamais, a Deus, mas figuravam com muita propriedade, com muita exatidão, aos seres humanos, notadamente em seu ato de reza, em sua experiência concreta de fé. Seguindo a mesma tendência, essa iconografia figurava bastante os episódios bíblicos, ou seja, episódios do humano. Assim, essas imagens representavam, apenas, pessoas correlatas às que as representavam. Isso trata-se, obviamente, de imagens que são signos, que são códigos que dirigem a inteligibilidade, a inteligência.
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