Elias Canetti é um crítico implacável do autoritarismo, um teórico das “massas” – e, assim, do século XX – e um observador contundente corrupção moral das sociedades modernas. “Masas e poder” é um desses livros que todo aluno de comunicação deveria ser obrigado a ler. A trilogia de suas memórias - A língua absolvida, Uma luz em meu ouvido e O jogo dos olhos – por outro lado, estão entre meus livros de cabeceira. As vozes de Marrakech, a seu turno, é um livro meio etnográfico, meio de relato de viagem, gêneros de leitura que não estão no mesmo plano mas que, por vezes, fazem o prazer dos mesmos leitores. Como eu, que sou aficcionado por ambos os gêneros, bem como pelos relatos memorialísticos e biográficos, correspondências, diários e tudo, enfim, que reconstitua a pessoa, o lugar e outras “verdades”.
Na sua sabedoria, Canetti não reproduz, meramente, o exótico, mas sim, permanentemente, a sua experiência de encontro ao que, a seus olhos, muito bem entendido, é o exótico. E isso faz toda a diferença, porque Canetti supera o eurocentrismo. Trata-se de uma literatura feita de contrapontos. Por isso mesmo, de uma literatura ética, que não se envergonha das próprias limitações diante do encontro com o Outro e que, ao mesmo tempo, tem coragem de se posicionar, discursivamente, tal como é, ou se julga ser, com todos os solipsismos da cultura européia. Canetti relata a sua pessoa, sem condescendência e algumas vezes com o humor do auto-espanto. Ao fazê-lo, produz a tradução intercultural. A tradução intersemiótica. E acaba por se posicionar face às iniqüidades de todas as relações de poder, presentes em toda forma de encontro.
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