Quando aconteceu o famoso terremoto de Lisboa, em 1755, a Europa inteira mergulhou numa reflexão que, hoje, não seria possível que se faça, motivados ou não pelo terremoto do Haiti. A época de Voltaire o permitia – e o próprio foi provavelmente o principal agente reflexivo aos quais me refiro. Essa reflexão teve um fundo a um só tempo filosófico e teológico, e disse respeito ao seguinte ponto de pauta: por que Deus permite que o mal aconteça? E por que permite que o mal vitime, com crueldade, os mais inocentes? Ora, sendo Deus um pai benevolente, como pode tolerar que tanto mal haja no mundo?
A conjectura abria respostas mais terríveis que o próprio questionamento: ou Deus já não existia, ou ele não existia ainda, ou não era benevolente, ou não era todo-poderoso, ou não fazia distinção entre o bom e o mal.
Em nosso tempo, já não sendo possível colocar a mesma questão com a mesma força que ela teve no século XVIII, podemos substituir a palavra Deus pela palavra Azar – no sentido mais filológico possível que se possa lhe dar, ou seja, no sentido de Evento, ou de destino, fato, fatum, fado. As perguntas acima seriam elaboradas sob outra estrutura sintática, porque o Azar não é um ser, tal como, sejamos sinceros, acreditamos que seja Deus, mas um ente; porém, ao fim de tudo, a indagação persistiria.
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