Por Felipe Horácio-Castro
Gonçalo é meu amigo desde a adolescência, sendo que ainda continua nela, o infeliz. Acredita ser infeliz no amor e no jogo, simultaneamente, mas a verdade é que o é por não dar atenção a nada. Dias sim, dias não, está com a cabeça na lua. Nos dias não procura-me. Procurou-me na semana passada, me chamando de Felipinho, como na escola se fazia.
“Felipinho, que pensas tu desses videntes africanos que andam a infestar Lisboa?”.
Refleti por alguns segundos. De fato, há desses videntes por todos os lados. Mas não me incomodam.
“Não me incomodam”, respondi.
“Mas acreditas que eles têm mesmo esses poderes?”
“Poderes de fazer o que?”
“De conhecer o futuro, ora! E de liberar o corpo dos possuídos, essas coisas, tu sabes”.
Percebi logo que Gonçalo andava comido da cabeça. Percebi, sem mais palavras suas, o que estava pensando. Não seria eu quem lhe iria ferir as expectativas.
“Acho que sim”.
Eu achava que não. Aliás, achava que esses videntes eram todos uns picaretas. Diria isso para outro qualquer amigo, mas não para Gonçalo. Trata-se de alguém, devem conhecer o tipo, a quem não se deve frustrar as expectativas quando elas já são favas contadas. E no dia seguinte encontrava-me eu, ao lado de Gonçalo, à porta de entrada da cabine de “Mamadu, o sábio”, numa periferia remota de Lisboa.
Um grande letreiro informava seu nome. Embaixo do nome, vinha escrito, em tom solene, “Consultas espíritas”. Entramos. O cenário conformava-se como uma mistura entre um cenário de filme B sobre Ali Babá e os Quarenta Ladrões e um puteiro de terceira. Um insuportável odor de incenso velho dominava o ambiente. Dois sofás vermelho, umas cadeiras e vários pufs espalhado pelo chão compunham o ambiente da sala de espera. Uns dez desgraçados esperavam, à nossa frente. Tivemos de esperar umas duas horas até chegar a nossa vez. Uma espécie de mãe-de-santo veio nos precaver para que, durante a espera, não tivéssemos maus pensamentos. No friso da parede uma foto de São Jorge matando o dragão ladeava uma plaquinha, com os dizeres “Mamadu trata do seu mal”.
Gonçalo estava encantado. Respirei fundo, resignado. Sempre soubera ser um bom amigo de Gonçalo. Quando finalmente chegou a sua vez, ele insistiu para que eu entrasse com ele na sala de Mamadu. Ajoelhamo-nos à sua frente, enquanto a mãe-de-santo surgia de trás de uma pesada cortina roxa e batia palmas. Gonçalo não se conteve e, incrivelmente compenetrado, bateu palmas também. Nesse instante, Mamadu, que permanecia com os olhos fechados, abriu o olho esquerdo e olhou para Gonçalo num tom de reprovação. Meu amigo encerrou suas palmas e a mãe-de-santo enunciou algumas palavras em mandinga.
Passei a observar melhor o médium. Mamadu tinha quase dois metros de altura e uma calvície avançada. Era praticamente um gigante. Quando a mãe-de-santo parou de falar ele disse também qualquer coisa incompreensível e se calou. Pareceu se concentrar para dar início ao atendimento de meu amigo. Mais alguns segundos e ele abriu um dos olhos apenas, desta vez o direito e disse, numa voz simpática de ancião da Kasamancia:
“Como Mamadu pode ajudar a vossa pessoa?”
Estranho jeito de falar. Pensava nisso, procurando identificar a origem geográfica e étnica de Mamadu quando a estridente voz de Gonçalo atravessou meus sentidos:
“É meu amigo que veio se consultar, professor Mamadu. Pensamos que lançaram sobre ele um mau olhado!”.
Olhei para Gonçalo incrédulo. Mamadu fechou o olho direito e abriu o olho esquerdo, examinando-me de cima a baixo e de baixo a cima.
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