Por Felipe Horácio-Castro
O Minho é a terra dos provérbios e, na escola, que na escola se aprende o essencial da cultura popular, todos sempre tinham pérolas do Minho a contar. Era o caso do Eusebiozinho:
“Quem cabritos vende e cabras não tem, certamente fode alguém”.
Com esse provérbio tornou-se o rei da escola, durante a recreação e alhures. Todos ficávamos pensativos, reflexivos, procurando acomodar o provérbio em questão aos fatos da vida e, essencialmente, encontrar alguém que fosse do conhecimento de todos que bem coubesse nele.
“Ah, o padre-mestre Zacarias!”, sugeriu o Andrèzinho.
“E ele por quê?”, perguntei.
“Ora, porque o Zacarias anda sempre com uma garrafa de vinho no sovaco. De onde as tira?”
“Da adega”, alguém respondeu.
“Exato”, continuou o Andrèzinho, “E quem tem as chaves da adega?”
“A leiga Conceição!”, todos constatamos em silêncio de reverência. A leiga Conceição era a beata que supervisionava os serviços da cozinha, uma das muitas voluntárias que atuavam em nossa escola.
Mas o Deusdeth não compreendeu a ligação, e o Andrèzinho precisou ser mais explícito:
“O padre Zacarias não planta vinhos e nem tem a chave da adega, certo?”
“Certo!”
“Portanto, ele não tem cabras, certo?”
“Certo!”
“Mas sempre tem uma garrafa de tinto no sovaco, certo?”
“Certo!”
“Então ele vende cabritos, certo?”
“Certo!”
“Então...”
“Então...?”
“Então ele fode a leiga Conceição para que ela lhe dê vinhos, que ele põe sob o sovaco!”
“O padre Zacarias fode a leiga Conceição?”, murmurou o Deusdeth, impressionado pela revelação.
“Fode!”
Outra vez foi o próprio Deusdeth quem apareceu com um provérbio do Minho:
“Ouçam este: Deitar cedo e cedo erguer, só se for para foder”.
Ficou em quinto lugar num concurso que fizemos.
O primeiro lugar foi dado a “Debaixo dos pés se levantam trabalhos, debaixo dos lençóis se levantam caralhos”. Achamos que era muito profundo e meritório, posto que referia o santo dever do trabalho.
Outro provérbio era ameaçador demais e não recebeu votos de ninguém: “Antes de casar vê se tens tesão, de contrário serás cabrão”.
O Deusdeth caiu na besteira de perguntar: “E como sei eu se tenho tesão?”
Ao que o Andrèzinho, de pronto, respondeu: “Só pela tua pergunta eu já tenho a resposta”.
O Deusdeth ficou pensativo.
Outra vez, foi o porteiro do colégio, o Brito, que nos cedeu um sábio provérbio minhoto: “O comer e o foder, são bons para entreter”. E o Andrèzinho perguntou ao Deusdeth: “Que preferes, comer ou foder?”
Deusdeth não sabia que era um teste, e a resposta certa devia ter sido “foder”, ainda que nenhum de nós tivesse já fodido e, assim pudesse comparar. Além do que, tratava-se de um pequeno glutão, o Deusdeth.
“O Andrèzinho vive me persenguindo”, confessou o Deusdeth, para alguns amigos, certa vez. E o porteiro Brito aconselhou: “Homem prevenido, não é fácil ser fodido!”.
Os anos se passaram e o Deusdeth cresceu e se tornou importante. Tornou-se prevenido, sempre tinha uma resposta. Tornou-se político, prefeito no interior, deputado. Emagreceu... Um dia encontrei com ele e tomamos um café juntos no Largo do Areeiro. Lembramos dos velhos tempos e ele segredou-me “Em terra onde a vista a todos falta, quem tem um olho enraba toda a malta”.
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