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Considerações sobre a votação do Ficha Limpa no STF

A votação do STF que deveria ter decidido se a lei da Ficha Limpa vale para 2010 terminou 1h17. Foram 11 horas de falas difíceis. O empate de cinco a cinco equivaleu a uma decisão de não decidir. 228 candidaturas enquadradas pela justiça eleitoral nessa nova categoria metafísica da política brasileira, a dos “fichas sujas”, aguardam a decisão.
Votaram pela vigência imediata da nova lei: Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Cármen Lucia. O voto no “só no ano que vem” veio de Cezar Peluso, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes e Dias Toffoli.
Foi um reco-reco retórico. Até a nota oficial publicada posteriormente ao término da sessão, às 2h11 da madrugada, foi de difícil português: “A Suspensão do julgamento mantém hígida a decisão do Tribunal Superior Eleitoral. (...) O registro de candidatura de Joaquim Roriz continua indeferido”.  Suponho que higidez do acórdão significa adiamento. Reco-reco retórico, eu diz.
Outro exemplo: a determinada hora, Ayres Britto lembrou que Roriz fora levado à fogueira por dois tribunais (TSE e TRE-DF), e Gilmar Mendes, em resposta, disse que o critério não é “futebolístico”. Não entendi a metáfora.
Peluso, que destilou coragem quando declarou seu voto, afirmando que o clamor provindo da opinião pública não deve interferir no julgamento do STF, recuou na hora de exercer o voto de desempate.
Toffoli, por sua vez, ensaiou reformular o voto, mas foi aparteado e recuou do recuo.
Enfim, dado o avançado da hora, Ellen Gracie sugeriu que o encontro dos ministros com o travesseiro poderia iluminá-los. 
E todos foram para casa dormir um pouco.

Meu comentário sobre a situação:
O resultado da votação do ficha-limpa gorou. A verdade é que o STF, pressionado pela opinião pública, talvez acuado pela luz da própria televisão, a TV Justiça, empurrou tragicamente a decisão para o presidente Lula. O ministro Peluso disse que, qualquer que fosse a decisão do STF, ela seria percebida pela sociedade como “artificial”. E, em nome da prudência, recomendou esperar pelo indicado de Lula. O resultado disso é que os 228 candidatos “ficha-suja” vão às urnas e que a decisão fica adiada. Caso o sucessor de Eros Grau, detentor do 11º voto do STF e, portanto, o “homem do desempate”, for nomeado por Lula antes da diplomação dos eleitos e, também antes disso, proferir seu voto, a coisa se resolve. Senão, cabe ao Supremo reunir-se para, mais uma vez, discutir a questão. O que tudo isso mostra é, mais uma vez, o problema da volatilidade do STF em relação a pressões que se transformaram debates midiáticos. O Supremo deve estar acima do bem e do mal. E não é isso que está acontecendo. Ao contrário, os ministros estão fazendo um duplo movimento de, por um lado, jurisdiscionalizar a política e, por outro, midiatizar a constitucionalidade. Um caminho perigoso.

Meu comentário sobre o ficha limpa:
É meritória toda iniciativa de controle social da política e o ficha-limpa é necessário. Porém, a verdade é que é inconstitucional. Bem sei que o que está em discussão é o tema da “anualidade” e não da “reversibilidade” mas, seja por esse princípio, seja por aquele, é matéria inconstitucional. Bem queria ver inelegíveis alguns políticos corruptos e desonestos que se apresentam a estas eleições, mas uma coisa não justifica a outra. A Constituição vem antes. O STF deve ouvir a sociedade, mas não pode se deixar influenciar por um clamor que é ilegal. 

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