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Belo Monte: gestão adaptativa

Reproduzo artigo de Henrique M. Leite Chaves publicado no Correio Brasiliense de hoje sobre Belo Monte.

Belo Monte: gestão adaptativa
Henrique M. Leite Chaves
O impasse se dá pelas posições arraigadas dos principais atores envolvidos no processo, onde empreendedores, ambientalistas, desenvolvimentistas, governo e Ministério Público teimam em dar a última palavra sobre os benefícios e impactos do empreendimento. 
De um lado, os defensores do projeto apregoam a alta relação custo/benefício da obra, que contribuirá para reduzir pela metade o deficit energético brasileiro em 2020 (8GW), este último equivalente ao consumo da cidade de São Paulo. Argumentam ainda que, sendo uma usina a fio d’água, seu impacto ambiental e social será reduzido, representando um avanço em relação aos antigos aproveitamentos da Amazônia, como Balbina e Samuel.
Os críticos do empreendimento, por sua vez, apontam para uma série de impactos ambientais e sociais irreversíveis, como a perda da rica biodiversidade da floresta e do rio, e a eliminação de valores culturais milenares das populações indígenas locais, em uma bacia simbólica como o Xingu.
Apesar de ambos os lados apresentarem argumentos válidos, as duas correntes desdenham as opiniões contrárias, inclusive de forma violenta e pouco construtiva. Entretanto, o (ainda) escasso conhecimento sobre os aspectos ambientais e sociais da Amazônia, bem como a considerável incerteza associada a ambos os processos, impedem a utilização do enfoque tradicional de gestão, onde decisões gerenciais e políticas são definitivas (e muitas vezes erradas). 
Há, entretanto, uma solução possível. A gestão adaptativa, formulada por Holling nos anos 1970 e usada na mitigação de impactos de grandes obras hidráulicas em diversos países, além de incorporar as incertezas relativas ao processo de gestão socioambiental, utiliza diferentes hipóteses de trabalho na solução de um determinado problema, aprimorando a gestão na medida em que novas experiências são adquiridas. 
Esse processo de “aprender fazendo” é aplicado durante as fases de projeto, implantação e operação dos empreendimentos. Além disso, os melhores resultados são obtidos quando há uma participação efetiva e transparente das partes interessadas, e quando existe confiança mútua e busca conjunta de objetivos previamente definidos. Para tanto, um monitoramento contínuo de indicadores relevantes e críveis é fundamental.
Inúmeros são os exemplos de sucesso da adoção da gestão adaptativa. Nos EUA, a construção da última barragem no emblemático Rio Colorado, Glenn Canyon Dam, só foi possível graças à ação cooperativa de empreendedores, gestores e ambientalistas, definindo de comum acordo as regras de operação e as vazões defluentes do reservatório, a partir de resultados de monitoramento da ictiofauna e do calado do trecho a jusante. 
No Brasil, enfoque semelhante foi usado no dimensionamento do canal de passagem de peixes da hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira. Após testes exaustivos variando a vazão, a declividade e a rugosidade do canal experimental, 90% das espécies de bagres estudadas subiram à estrutura. Os resultados serviram para projetar a passagem definitiva de peixes da obra, minimizando o impacto ambiental do empreendimento. 
Seguindo o princípio das hipóteses múltiplas de Chamberlain, que diminuem a (inerentemente humana) tendência de confirmar a alternativa única, a gestão adaptativa reduz a subjetividade da análise e do processo de tomada de decisão, permitindo que soluções efetivas e negociadas sejam obtidas. Esse enfoque inovador, por sua vez, segue uma tradição milenar, oriunda dos gregos, pais da ciência e da filosofia. 
Nesse sentido, a polarização causada por ferrenhos defensores e aguerridos detratores da obra de Belo Monte coloca-os na posição dos habitantes da caverna de Platão que, aprisionados em suas inabaláveis concepções, e entrincheirados em seus arraigados argumentos, tomavam as sombras nas paredes da caverna como realidade.

A gestão adaptativa é, assim, uma alternativa eficaz que pode jogar luz sobre conflitos aparentemente insolúveis, como a construção de Belo Monte, usando o que o homem tem de melhor: a ciência e a audácia.

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