A primeira linha do primeiro ensaio do livro O Dorso do Tigre, para mim o livro mais emblemático do professor Benedito Nunes, é taxativa: “A filosofia já não consola”. Passou-se o tempo em que o fazia. Ela ajudou Sócrates a morrer e ajudou o mundo cristão a suportar a carga de injustiça presente na morte do Cristo. Benedito Nunes lembrou-se, com sua cultura vasta e universal, que ela também ajudou Severino Boécio, o ministro do imperador Teodorico, também ele, a morrer.
Ouvindo as palavras do padre Florêncio, muito apropriadas, aliás, e extramente sábias e felizes, durante a missa de corpo presente do professor, ocorria-me lembrar, o tempo todo, desse ensaio. De Consolatione Philosophiae, o seu nome. Um texto fabuloso do professor. E ocorria-me indagar-me, que é a si mesmo que se indaga essas coisas, se não cabia afirmar o contrario, da taxativa frase, em relação, preciamente, à partida de Benedito. Que ao menos nos console a nós, a sua filosofia, se não toda ela, na sua partida e da sua partida, se não de todas mais.
É que o padre Florêncio, na sua fala, comentou que há um sentido pascal na morte do professor, algo como o preenchimento de uma totalidade que se confirma por meio da integridade e da integralidade da sua vida.
Não sempre se ouve isso. Os sacerdotes gostam de tentar nos consolar por meio do desolamento, numa frágil promessa de pós-vida. A insistência desse hábito não comove mais as montanhas das nossas dúvidas. Mas há um diferencial quando se interpõe, à vida que parte, que já não há, a percepção de que ela foi, efetivamente, realizada; efetivamente vivida.
Um evento raro, naturalmente. Todavia, era raro o professor Benedito. Imperativo constatá-lo. É uma pobre instância, mas ela me consola. Sua filosofia, de alguma forma, me consola da sua morte.
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