Reproduzo um artigo que mostra o que não deveria ser uma universidade pública. Em seguida comento o caso, fazendo algumas analogias à UFPA.
O novo século ainda não chegou à Universidade
Pierre Lucena
Quem visita algumas universidades brasileiras, se surpreende com o grau de atraso de suas gestões, muitas delas tomadas pela burocracia e pelo conformismo das administrações. É comum a falta de incentivo à prática do debate, principalmente em suas instâncias superiores. Basta pegarmos como exemplo uma pauta de uma reunião de Conselho Universitário, normalmente tomada por processos banais de afastamento ou de revalidações de diploma. A discussão sobre política universitária foi deixada de lado há tempos.
Nossas universidades se voltaram para os seus meios, relegando seus fins a segundo plano. Estamos imersos em uma teia burocrática, e hoje fazemos muito menos do que somos capazes. Perdemos parte significativa de nosso tempo, e consequentemente da nossa força de trabalho, apenas alimentando o sistema burocrático. Na Universidade em que leciono, a UFPE, passamos de 6 a 8 meses para conseguirmos uma simples progressão funcional. O professor passa duas semanas acumulando papéis com informações e declarações que já constam no próprio sistema, para depois 3 colegas de departamento ficarem contando pontos. Depois isso segue para o Centro Acadêmico, onde mais 3 professores ficarão contando pontos, para depois seguir para a Reitoria, para mais uma comissão de professores ficarem somando pontos. Nesse processo todo, pelo menos 10 professores são envolvidos, desperdiçando horas de trabalho, que não fazem o menor sentido quando temos um sistema de informação. Em algumas instituições, basta um simples clique no computador para isto ser resolvido.
Essa administração voltada para os meios também afeta o técnico administrativo, que hoje se sente extremamente desmotivado, porque sua carreira fica totalmente comprometida, já que os cargos administrativos estão quase todos nas mãos de professores, cujo papel na instituição é outro. Não cabe tirar um professor da sala de aula para que ele exerça tarefas-meio, como realizar licitações e administrar o dia a dia da instituição.
Quando pensamos no tratamento dado a nossos alunos, tudo fica ainda pior. A eles é oferecido o pior ambiente de trabalho dentro das Universidades, com salas de aula inadequadas e lotadas, laboratórios antiquados, bibliotecas com poucos livros, filas quilométricas no Restaurante Universitário e com internet sem fio sendo artigo de luxo. Isso sem falar na maioria da força de trabalho disponível, que normalmente está alocada para servir aos departamentos, e não aos cursos e núcleos de pesquisa e extensão.
Ainda vivemos na Universidade do século passado, com o espírito crítico desaparecendo aos poucos, dando lugar a processos burocráticos intermináveis, desmotivando a todos. Perdemos o protagonismo das discussões, e parece que muitos dos atuais gestores não se deram conta disso.
Quem acompanha o ambiente universitário, percebe que uma minoria ainda resiste a uma mudança efetiva de gestão. Nos centros acadêmicos, a existência de alguns grupos de influência ainda está presente e mexer no status quo é algo inaceitável. São pequenos grupos de poder, muitas vezes familiares, onde a prática do fisiologismo ainda não foi abolida, lembrando os feudos da Idade Média. Na prática, o atual poder da Universidade é compartilhado com estes grupos, com a participação sendo permitida apenas aos amigos.
É preciso dar uma virada no atual modelo de gestão, compartilhando poder, fomentando o debate e colocando a Universidade no Século XXI.
Por Pierre Lucena é Professor de Finanças da UFPE e tem o blog www.acertodecontas.blog.br.
Comentário do Hupomnemata:
Esse sistema é semelhante em todas as universidades públicas. Há pequenas variações, mas a essência é a mesma. Presentemente, estou passando pela mesmíssima experiência: estou no quinto mês do processo para uma simples progressão funcional, passando pelas etapas inócuas de reunir uma documentação simplesmente irrelevante, porque tudo já está na plataforma Lattes (CNPq) e porque são ações públicas e, portanto, de conhecimento público e seguir de uma comissão a outra, num périplo mais inócuo ainda. Preciosas horas de trabalho acadêmico real são perdidas nesse processo. Eu e outros professores as perdemos por causa dessa necessidade de institucionalização do trabalho acadêmico. Algo que equivale, simplesmente, a dar trabalho a quem precisa fingir que está trabalhando.
Penso que o trabalho acadêmico consiste nas seguintes tarefas: Ler, escrever e pesquisar, sempre produzindo um trabalho de investigação conseqüente que impacte sobre a sociedade. Sobrando tempo, deve-se dar aulas e desenvolver tarefas de extensão. Dar aulas é secundário, em relação à atividade da pesquisa. Considero que seja possível, conforme o professor, que ele se ocupe prioritariamente de tarefas de ensino ou de tarefas de extensão. Vá lá, posso compreender isso, embora não seja meu caso – simplesmente pelo fato de que a contribuição principal que tenho condições de dar é no campo da pesquisa. Trabalho arduamente nisso, durante muitas horas por dia, todos os dias.
O que não posso compreender é perder tempo precioso de leitura, escritura e investigação com atividades absolutamente ridículas, como reuniões que não sejam para discutir ciência e participar de comissões como as citadas no artigo. Tudo isso serve apenas para justificar o emprego público de professores e funcionários que não se dedicam ao que deviam se dedicar: criar coisas novas, ter idéias, discutir essas idéias, levar essas idéias para a sociedade.
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