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O momento difícil da BBC


A BBC é a maior e mais antiga companhia pública de transmissão do mundo, além de estar entre as mais tradicionais instituições britânicas, comparável à família real. A corporação contribuiu, ao longo de décadas, com a cultura no Reino Unido, seja por seus programas na TV e no rádio ou pelo apoio a grandes eventos musicais. No jornalismo, também é vastamente respeitada em todo o mundo.

Mas todo este prestígio não tem poupado a antiga "Beebs", como é carinhosamente chamada pelos britânicos, de duras críticas do governo e de emissoras rivais. No fim do ano passado, o primeiro ministro Cameron Brown fez piada com a rede pública ao notar que três correspondentes de três programas diferentes da BBC acompanhavam uma coletiva de imprensa sua em Bruxelas. "É bom ver que os gastos estão sendo controlados em todas as áreas", disparou o premiê. O governo de coalizão de Cameron, liderado pelos Conservadores, lançou um plano de austeridade financeira, e acusa a BBC de gastar exageradamente.

A rede é financiada em grande parte por uma taxa paga pelos telespectadores, e já havia concordado em congelar o financiamento público nos próximos anos – sentenciando-se a um corte de 16% no orçamento até 2017. Daí a alfinetada do primeiro ministro: é realmente necessário enviar três correspondentes a uma única coletiva de imprensa internacional?

Os altos salários de executivos da BBC também viraram alvo de críticas de membros do Parlamento. O diretor geral da rede, Mark Thompson, recebeu 838 mil libras em 2010. Por outro lado, os funcionários – mais de 21 mil – temem por seus empregos e estão irritados com um plano para realocar muitos deles de Londres para um subúrbio de Manchester e pelos cortes em seus planos de previdência.

Competição desleal

Emissoras comerciais – lideradas pelo grupo de mídia News Corporation, do magnata australiano Rupert Murdoch – também não poupam a rede pública. Dizem que existe competição injusta. Enquanto a BBC não pode ter anúncios publicitários em seus programas de rádio e TV e em seus sites no Reino Unido, obtem lucros com anúncios em seus braços internacionais. Os rivais a acusam, então, de agir cada vez mais como uma companhia comercial, com o benefício de receber ainda financiamento público.

A BBC foi fundada em 1922 como um monopólio, com a missão de "informar, educar e entreter". Seu primeiro concorrente televisivo foi a ITV, em 1950. Hoje, com centenas de canais lutando por audiência e receita publicitária, a renda garantida da BBC tornou-se uma fonte de inveja. Muitos críticos afirmam que permitiu-se, ao longo do anos, que a rede pública crescesse demais e sem limites. Semanalmente, mais de 97% da população britânica vê, ouve ou lê algo produzido pela BBC. A rede opera atualmente 10 canais televisivos e 16 estações de rádio no Reino Unido. Com seu Serviço Mundial de rádio em várias línguas, possui público global de 180 milhões de ouvintes.

Propriedade de todos

A taxa anual paga por todas as residências britânicas que possuem um aparelho de TV – e que hoje custa 145,50 libras (cerca de 375 reais) – também surgiu em 1922. Atualmente, este dinheiro gera 3.6 bilhões por ano, ou 80% da receita total da BBC. Por financiarem a rede, os cidadãos britânicos acreditam, com toda a razão, que são seus donos, e costumam reclamar quando não gostam de alguma coisa. Recentemente, milhares de pessoas se queixaram da trama da novela EastEnders – o bebê de uma personagem morre vítima da Síndrome da Morte Súbita Infantil, e a personagem troca o corpo do bebê morto pelo bebê, vivo, de sua vizinha. As reclamações foram tantas que os roteiristas tiveram que reescrever os capítulos seguintes para que a mulher finalmente devolvesse o bebê.

"A BBC é um pouco como uma religião", compara o executivo Michael Grade, que já presidiu tanto a BBC quanto a ITV, hoje a maior companhia de TV comercial britânica. "Ela é um objeto de fé. Você acredita ou não. Eu, no caso, acredito. Mas também creio que ela não possa fazer tudo o que faz hoje".

O maior desafio da BBC, no momento, é descobrir de onde cortar 1.3 bilhão de libras que precisa para concretizar o plano de gastos que termina em 2017. Poderão sofrer o Serviço Mundial, as operações online, as divisões de notícias e entretenimento e até mesmo a cobertura de eventos tradicionais britânicos como o torneio de tênis de Wimbledon.

Cortes

O congelamento da taxa anual – que por anos sofreu aumentos – foi anunciado depois de uma série de negociações duras entre a BBC e o governo, que havia ameaçado cortes ainda maiores. Pela primeira vez, a rede também terá que arcar com os custos do Serviço Mundial, que era financiado pelo British Foreign Office, Ministério das Relações Exteriores britânico. O Foreign Office anunciou no ano passado que cortaria o financiamento – calculado em 237 milhões de libras anuais – e, em seguida, a BBC informou que teria que cortar cerca de 650 empregos do braço internacional, além de planos para eliminar a programação em línguas como mandarim e russo.

Em seus serviços no Reino Unido, a rede também já vem passando por uma dieta rígida. Em resposta às críticas sobre os altos salários dos executivos, congelou alguns salários e diz ter reduzido a remuneração de alguns altos cargos em 18%.

Ex-executivo da BBC e crítico feroz do sistema de financiamento por taxas de telespectadores, David Elstein diz que a rede vive hoje a maior crise financeira de sua história. Steve Barnett, professor de comunicação da Universidade de Westminster, em Londres, afirma que os cortes recentes são apenas o começo, e que a BBC terá que passar por uma grande auto-análise.

Mas existem algumas coisas que não há crítica ou crise financeira que segure. É o caso do casamento do príncipe William, no fim desta semana. A BBC fornecerá o vídeo da cerimônia na Abadia de Westminster para transmissões em todo o mundo. O plano é que 550 funcionários participem da cobertura do evento real. Informações de Sarah Lyall e Eric Pfanner [The New York Times, 24/4/11].

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