O filósofo Slavoj Zizek veio ao Brasil e concedeu uma entrevista a O Globo (que pode ser acessada aqui). Reproduzo uma de suas respostas:
O Globo: Seu livro “Em defesa das causas perdidas” começa pela constatação de que a ideia de revolução está hoje desacreditada no debate político. Esse descrédito, o senhor argumenta, não se explica simplesmente pelo fim da União Soviética ou pela queda do Muro de Berlim, como muitas vezes se diz. Ele estaria ligado a diversas críticas feitas no século XX às noções de verdade e totalidade. Quais são os principais argumentos dessas críticas, e como o senhor pretende contestá-los?
SLAVOJ ZIZEK: Há uma certa moda na filosofia pós-moderna de se tomar a verdade como algo opressivo, que deve ser subvertido. Questiona-se: “quem tem o direito de dizer que algo é verdade?” Em vez da verdade, existiriam apenas opiniões. Até as ciências naturais são tomadas como um fenômeno discursivo, que não teria nenhuma diferença de princípio em relação a superstições e formas de conhecimento baseadas na tradição. Discordo disso. Penso que existe a verdade, que existe a verdade universal, e que ela pode mesmo ser vista politicamente. Por exemplo, o que aconteceu recentemente no Egito foi a universalidade em sua forma mais pura. Não precisamos de nenhuma teoria multiculturalista para entender o que se passava nas ruas do Egito. Quando você tem uma rebelião pela liberdade, pode se identificar com ela de maneira imediata. Quanto à totalidade, esse é um grande mal entendido. A noção hegeliana de totalidade não significa que todos fenômenos particulares sejam no fundo parte de um mesmo todo orgânico. Não! Se você lê Hegel, vê que totalidade é quase o oposto disso. A totalidade é uma categoria crítica, que implica perceber as maneiras pelas quais um certo fenômeno dá errado como sendo parte da essência desse fenômeno. Detesto os marxistas que dizem: “Stalin traiu o verdadeiro espírito do marxismo”. Não, não se pode permitir que isso seja dito. Se as coisas deram tão terrivelmente errado com Stalin, isso significa que havia uma falha estrutural no próprio edifício de Marx. Não acredito nessa baboseira do tipo “a ideia era boa mas infelizmente foi mal realizada”. Aqui eu sou freudiano. O resultado da ideia é como um sintoma, que aponta para algo errado na ideia. Não acho que os liberais de hoje consigam admitir isso. Por exemplo, tive um debate na França com Guy Sorman, um defensor radical do capitalismo e ele dizia: “capitalismo significa justiça e democracia”. Então eu perguntei, “mas e a China hoje?”, e ele respondeu “Ah, mas isso não é capitalismo”. Isso é um pouco fácil demais. Quando você tem um capitalismo que não se encaixa no seu ideal, você diz “não, não, não é disso que se trata”. É como a piada contada por Lacan, “meu noivo nunca está atrasado pois no momento em que se atrasa ele deixa de ser meu noivo”. Claro que você pode dizer, “o comunismo é sempre democrático pois no momento em que não é democrático ele deixa de ser comunismo”. Ok, mas isso é fácil demais.
O Globo: Seu livro “Em defesa das causas perdidas” começa pela constatação de que a ideia de revolução está hoje desacreditada no debate político. Esse descrédito, o senhor argumenta, não se explica simplesmente pelo fim da União Soviética ou pela queda do Muro de Berlim, como muitas vezes se diz. Ele estaria ligado a diversas críticas feitas no século XX às noções de verdade e totalidade. Quais são os principais argumentos dessas críticas, e como o senhor pretende contestá-los?
SLAVOJ ZIZEK: Há uma certa moda na filosofia pós-moderna de se tomar a verdade como algo opressivo, que deve ser subvertido. Questiona-se: “quem tem o direito de dizer que algo é verdade?” Em vez da verdade, existiriam apenas opiniões. Até as ciências naturais são tomadas como um fenômeno discursivo, que não teria nenhuma diferença de princípio em relação a superstições e formas de conhecimento baseadas na tradição. Discordo disso. Penso que existe a verdade, que existe a verdade universal, e que ela pode mesmo ser vista politicamente. Por exemplo, o que aconteceu recentemente no Egito foi a universalidade em sua forma mais pura. Não precisamos de nenhuma teoria multiculturalista para entender o que se passava nas ruas do Egito. Quando você tem uma rebelião pela liberdade, pode se identificar com ela de maneira imediata. Quanto à totalidade, esse é um grande mal entendido. A noção hegeliana de totalidade não significa que todos fenômenos particulares sejam no fundo parte de um mesmo todo orgânico. Não! Se você lê Hegel, vê que totalidade é quase o oposto disso. A totalidade é uma categoria crítica, que implica perceber as maneiras pelas quais um certo fenômeno dá errado como sendo parte da essência desse fenômeno. Detesto os marxistas que dizem: “Stalin traiu o verdadeiro espírito do marxismo”. Não, não se pode permitir que isso seja dito. Se as coisas deram tão terrivelmente errado com Stalin, isso significa que havia uma falha estrutural no próprio edifício de Marx. Não acredito nessa baboseira do tipo “a ideia era boa mas infelizmente foi mal realizada”. Aqui eu sou freudiano. O resultado da ideia é como um sintoma, que aponta para algo errado na ideia. Não acho que os liberais de hoje consigam admitir isso. Por exemplo, tive um debate na França com Guy Sorman, um defensor radical do capitalismo e ele dizia: “capitalismo significa justiça e democracia”. Então eu perguntei, “mas e a China hoje?”, e ele respondeu “Ah, mas isso não é capitalismo”. Isso é um pouco fácil demais. Quando você tem um capitalismo que não se encaixa no seu ideal, você diz “não, não, não é disso que se trata”. É como a piada contada por Lacan, “meu noivo nunca está atrasado pois no momento em que se atrasa ele deixa de ser meu noivo”. Claro que você pode dizer, “o comunismo é sempre democrático pois no momento em que não é democrático ele deixa de ser comunismo”. Ok, mas isso é fácil demais.
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