Pular para o conteúdo principal

Desconstruindo a Divisão 2


Continuo a publicação seriada do texto Desconstruindo a Divisão, cuja primeira parte publiquei ontem aqui no blog. Hoje e no próximo texto prossigo discutindo o segundo argumento usado na defesa da divisão do Pará.

2. O argumento de que “o tamanho do Pará inviabiliza a boa gestão”
Esse argumento tem duas formas discursivas: em primeiro lugar a idéia de que o Pará, tanto por sua extensão como por suas peculiaridades geográficas, não pode, necessariamente, ser bem governado. A segunda forma discursiva sugere que estados menores são, simplesmente, melhor governados que estados “grandes”.
Vejamos o primeiro caso: seria o Pará ingovernável em função de sua geografia?
Claro que não. Senão outros espaços geográficos de dimensões comparáveis, ou até maiores, seriam, naturalmente, inviáveis. Sejam esses outros espaços Estados nacionais ou entes federados em um Estado nacional, como o Pará. Os exemplos são muitos e diversos. Brasil, Austrália, China, Índia, Rússia ou Canadá, com seus imensos territórios, são ingovernáveis? Claro que não. E suas unidades federadas, quando grandes porções territoriais, são ingovernáveis? Não.
E no caso de essas unidades federadas serem territórios de difícil acessibilidade, com zonas de baixa densidade populacional, economia com escassa industrialização e misto de atividades mineradoras, agrárias e extrativistas – tal como o Pará – seriam territórios ingovernáveis?
A resposta, novamente, é não.
É importante perceber que em todos esses países que citei há unidades federadas com território semelhante ou maior que o Pará. Buscar essa comparação é importante para sabermos o que somos, ou o que podemos ser, enquanto entes federados de uma nação.
Efetivamente, é possível fazer uma geopolítica das grandes unidades territoriais, já que elas são uma realidade presente em todos os grandes países do mundo. Isso é importante até para que se pare de achar uma aberração o tamanho do território paraense e se perceba que sua extensão é uma conquista histórica, ou seja, tem uma realidade histórica.
 Vejamos, então, alguns exemplos. Comparemos o Pará com entes federados semelhantes – se não em todos, em alguns aspectos – da Austrália (o Queensland); do Canadá (o Québec), da China (a Mongólia Interior).
É possível fazer uma comparação como esta? Em termos. Considerando a diversidade entre todos esses territórios e suas especificidades, há, entre eles e o Pará, algo em comum: são entes federados de grande dimensão espacial e desenvolvimento sub-regional irregular, e isso com vários componentes econômicos e sociais similares. Pensemos em algumas dessas unidades federadas, comparando-as ao Pará, para ver-se se são, de fato, ingovernáveis.

Queensland, na Austrália

Na Austrália, a província de Queensland tem 1,7 milhão de km2 e 3,9 milhões de habitantes. Por lá, é considerada uma nova fronteira de desenvolvimento para o país. A descoberta de importantes reservas minerais, de bauxita e de carvão, tem atraído, nos últimos 20 anos, um considerável contingente populacional, provocando alguns conflitos de espaço, reivindicações territoriais por parte de povos tradicionais e conflito entre pequenos agricultores e o agronegócio.
Alguma semelhança, com o Pará, não é?
Querem outra semelhança: a sociedade local luta, há anos, com os interesses das principais províncias da federação, aqueles que concentram as regiões industrializadas da Austrália, para conseguir verticalizar a cadeia produtiva mineral.
Além disso, com a migração, gerou-se uma importante decalagem entre as aspirações da sociedade e a oferta de serviços públicos básicos. Em meio a tantos interesses, o governo local passou muito tempo sem conseguir se fortalecer, suficientemente, para construir um projeto provincial efetivo.
Por fim, para completar o quadro de curiosas semelhanças, o norte do Queensland começou a reivindicar a divisão territorial da província como solução para os males locais. Com a divisão, surgiria a província de Capricornia, nome retirado de um romance escrito em 1932, cuja história lá se passa e cujo nome se produz do fato ambíguo de que, além de ser atravessada pelo trópico de Capricórnio, a forma geográfica local, para alguns, evoca os cornos desse animal.
A divisão não aconteceu, mas o “fundo do poço” serviu para que a sociedade local construísse um projeto coletivo de sociedade. Elaborou-se, com ampla participação social, um projeto de integração regional do Queensland, o qual foi denominado Queensland Regionalisation Strategy. Sua base é a tentativa de equilibrar o desenvolvimento, a ocupação territorial e a ação pública, maximizando esforços para diminuir os custos.
Essa ação procura estabelecer dois corredores de escoamento produtivo no território: o Gas Corridor e o Mineral Corridor, o primeiro ao sul e o segundo ao norte. Com isso se procurou gerar emprego e estabelecer infraestrutural, nessas regiões, para a verticalização da cadeia mineral.
Ao mesmo tempo, se desenvolveu um programa de fomento à agricultura, que ocupou o oeste do território promovendo uma reorganização do espaço local e, mais recentemente, se conseguiu estabelecer o Tourism Corridor, ao longo do litoral, finalmente explorando as condições para o florescimento da indústria do turismo, que nunca fora explorada em seu incrível potencial.
Em síntese, se gerou arranjos produtivos regionais, produzindo cadeias que reuniram parcelas diferentes da população
Um programa governamental provincial, o Queenslander, unificou toda a sociedade local, bem como as diversas correntes políticas, ainda que rivais entre si, para reivindicar apoio do Governo Federal e lançar a província na direção do futuro. O Queenslander Operation foi e é um fator de união de todos os 4 milhões de habitantes da província em torno de um projeto comum de futuro: um projeto de destino. Localizou-se o nó do problema de desenvolvimento local – no caso a geração de energia – e se articulou uma defesa coesa dos interesses provinciais junto ao Governo Federal. O resultado foi um investimento pesado em energia, gerando um novo corredor de progresso local, o Energy Corridor, que atravessou toda a província, levando energia a todos.
Se desejar conheceer melhor dessa estratégia, siga por aqui: Queensland Regionalisation Strategy
Continua amanhã.

Comentários

Anônimo disse…
Interessante a comparação que você faz, pois ajuda a compreender melhor o potencial de um Pará unido e coeso.

Postagens mais visitadas deste blog

Eleições para a reitoria da UFPA continuam muito mal

O Conselho Universitário (Consun) da UFPA foi repentinamente convocado, ontem, para uma reunião extraordinária que tem por objetivo discutir o processo eleitoral da sucessão do Prof. Carlos Maneschy na Reitoria. Todos sabemos que a razão disso é a renúncia do Reitor para disputar um cargo público – motivo legítimo, sem dúvida alguma, mas que lança a UFPA num momento de turbulência em ano que já está exaustivo em função dos semestres acumulados pela greve. Acho muito interessante quando a universidade fornece quadros para a política. Há experiências boas e más nesse sentido, mas de qualquer forma isso é muito importante e saudável. Penso, igualmente, que o Prof. Maneschy tem condições muito boas para realizar uma disputa de alto nível e, sendo eleito, ser um excelente prefeito ou parlamentar – não estou ainda bem informado a respeito de qual cargo pretende disputar. Não obstante, em minha compreensão, não é correto submeter a agenda da UFPA à agenda de um projeto específico. A de

Leilão de Belo Monte adiado

No Valor Econômico de hoje, Márcio Zimmermann, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, informa que o leilão das obras de Belo Monte, inicialmente previsto para 21 de dezembro, será adiado para o começo de 2010. A razão seria a demora na licença prévia, conferida pelo Ibama. Belo monte vai gerar 11,2 mil megawatts (MW) e começa a funcionar, parcialmente, em 2014.

Ariano Suassuna e os computadores

“ Dizem que eu não gosto de computadores. Eu digo que eles é que não gostam de mim. Querem ver? Fui escrever meu nome completo: Ariano Vilar Suassuna. O computador tem uma espécie de sistema que rejeita as palavras quando acha que elas estão erradas e sugere o que, no entender dele, computador, seria o certo   Pois bem, quando escrevi Ariano, ele aceitou normalmente. Quando eu escrevi Vilar, ele rejeitou e sugeriu que fosse substituída por Vilão. E quando eu escrevi Suassuna, não sei se pela quantidade de “s”, o computador rejeitou e substituiu por “Assassino”. Então, vejam, não sou eu que não gosto de computadores, eles é que não gostam de mim. ”