Pular para o conteúdo principal

Os temas da identidade e da cultura no debate sobre a divisão do Pará 16

Continuação do texto


Uma constante nos discursos “pró” – sejam os discursos favoráveis à divisão, sejam os discursos mais conservadores favoráveis à união – é a noção de comunidade. Pretendem, esses discursos, uma percepção de identidade baseada na compreensão que sua coerência, ou sua dinâmica interna, corresponde a uma forma de vinculo comunitário. A representação dos estados propostos, ou do Pará grande, como uma família, como uma cultura, ou como uma unidade marcada pela coerência do processo social, histórico e cultural derivam desse núcleo central que está no percebê-lo enquanto comunidade.
Ora, na prática isso não existe. O Pará não é uma família, uma cultura, uma identidade ou uma única história, por mais que se deseje. Eu, por exemplo, desejaria que isso fosse verdade. Mas não é. É necessário ser realista, porque de nossa capacidade em sermos realistas haverá uma possibilidade, futura, de construirmos um projeto de sociedade. O vínculo existente entre os paraenses não é, efetivamente, de natureza comunal. Sua realidade é complexa. Deriva de um processo histórico marcado pela disputa hierárquica, pela violência simbólica, pelo massacre cultural e identitário de populações autóctones, pela escravidão, por uma dinâmica de exclusão social das mais violentas das havidas na experiência colonial portuguesa ou brasileira.
Dessa realidade não decorre o fato de que o futuro se torne inviável para os paraenses. Muito pelo contrario: o que assinalo é que é inviável continuar denegando, dissimulando, os processos simbólicos hierárquicos que conformam as representações sociais em curso e que, à sua maneira, resultam, ou justificam, as próprias reivindicações separatistas. É inviável pautar o futuro pela noção de comunidade. E sabê-lo leva, necessariamente, à percepção de que é necessário construir, de fato, a sociedade paraense.
Continua

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Eleições para a reitoria da UFPA continuam muito mal

O Conselho Universitário (Consun) da UFPA foi repentinamente convocado, ontem, para uma reunião extraordinária que tem por objetivo discutir o processo eleitoral da sucessão do Prof. Carlos Maneschy na Reitoria. Todos sabemos que a razão disso é a renúncia do Reitor para disputar um cargo público – motivo legítimo, sem dúvida alguma, mas que lança a UFPA num momento de turbulência em ano que já está exaustivo em função dos semestres acumulados pela greve. Acho muito interessante quando a universidade fornece quadros para a política. Há experiências boas e más nesse sentido, mas de qualquer forma isso é muito importante e saudável. Penso, igualmente, que o Prof. Maneschy tem condições muito boas para realizar uma disputa de alto nível e, sendo eleito, ser um excelente prefeito ou parlamentar – não estou ainda bem informado a respeito de qual cargo pretende disputar. Não obstante, em minha compreensão, não é correto submeter a agenda da UFPA à agenda de um projeto específico. A de...

O enfeudamento da UFPA

O processo eleitoral da UFPA apenas começou mas já conseguimos perceber como alguns vícios da vida política brasileira adentraram na academia. Um deles é uma derivação curiosa do velho estamentismo que, em outros níveis da vida nacional, produziu também o coronelismo: uma espécie de territorialização da Academia. Dizendo de outra maneira, um enfeudamento dos espaços. Por exemplo: “A faculdade ‘tal’ fechou com A!” “O núcleo ‘tal’ fechou com B!” “Nós, aqui, devemos seguir o professor ‘tal’, que está à frente das negociações…” Negociações… Feitas em nome dos interesses locais e em contraprestação dos interesses totais de algum candidato à reitoria. Há muito se sabe que há feudos acadêmicos na universidade pública e que aqui e ali há figuras rebarbativas empoleiradas em tronos sem magestade, dando ordens e se prestando a rituais de beija-mão. De vez em quando uma dessas figuras é deposta e o escândalo se faz. Mas não é disso que estou falando: falo menos do feudo e mais do enf...

UFPA: A estranha convocação do Conselho Universitário em dia de paralização

A Reitoria da UFPA marcou para hoje, dia de paralização nacional de servidores da educação superior, uma reunião do Consun – o Conselho Universitário, seu orgão decisório mais imporante – para discutir a questão fundamental do processo sucessório na Reitoria da instituição. Desde cedo os portões estavam fechados e só se podia entrar no campus a pé. Todas as aulas haviam sido suspensas. Além disso, passamos três dias sem água no campus do Guamá, com banheiros impestados e sem alimentação no restaurante universitário. Considerando a grave situação de violência experimentada (ainda maior, evidentemente, quando a universidade está vazia), expressão, dentre outros fatos, por três dias de arrastões consecutivos no terminal de ônibus do campus – ontem a noite com disparos de arma de fogo – e, ainda, numa situação caótica de higiene, desde que o contrato com a empresa privada que fazia a limpeza da instituição foi revisto, essa conjuntura portões fechados / falta de água / segurança , por s...