O grande intelectual e lúcido militante de esquerda Carlos Nelson Coutinho faleceu na manhã desta quinta-feira (20/9), vítima de um câncer que combatia desde o início do ano. O professor, livre docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), era um dos maiores especialistas da obra do militante comunista italiano Antônio Gamsci.
Reproduzo entrevista concedida por ele ao jornalista Igor Felippe dos Santos em 2005, publicada na edição número 33 da Revista Sem Terra (Nov/Dez de 2005). A entrevista, realizada no contexto da maior crise do governo Lula, apresenta uma série de desafios que restam atuais para a luta dos setores progressistas.
Carlos Nelson Coutinho: “Precisamos colocar em discussão as grandes questões políticas”
Por Igor Felippe Santos
Revista Sem Terra Nov/Dez 2005
O debate político tomou conta de parte da população e dos meios de comunicação no país. São generalizadas as discussões sobre a vida parlamentar, os casos de corrupção e cassações, as comissões parlamentares de inquéritos, a compra de deputados, a reforma política e as formas de financiamento de campanha dos partidos políticos.
O pensamento do ativista político comunista e filósofo italiano Antonio Gramsci, autor de “Cadernos do Cárcere”, contribui para a compreensão do quadro brasileiro. Para Gramsci, a política tem uma dupla dimensão: a da “pequena política”, voltada para a administração das instituições existentes, e a da “grande política”, correspondente à transformação ou conservação das estruturas orgânicas econômicas e sociais.
“Há um avanço muito claro da ‘pequena política’ sobre a ‘grande política’. Esse é um dos elementos fundamentais da hegemonia neoliberal”, explica Carlos Nelson Coutinho, professor de Teoria Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de Gramsci – Um Estudo sobre seu Pensamento Político.
Um dos maiores especialistas em Gramsci no Brasil, o professor acredita que a esquerda precisa ampliar o foco do debate para levar à sociedade as grandes questões políticas. Para avançar nesse sentido, os movimentos sociais não podem conciliar com a política menor e devem colocar suas exigências na ampla agenda política.
De acordo com Coutinho, depois da cooptação do PT, a disputa eleitoral tende ao revezamento de dois grupos partidários com projetos parecidos, sem perspectiva para mudanças estruturais. “Cria-se dois blocos de partidos, um centrado no PT e outro no PSDB, que provavelmente vão se alternar no governo, mas sem maiores modificações. Tanto faz um como o outro: a economia está blindada”, afirma.
Outra categoria gramsciniana apresentada nesta entrevista surge da diferenciação das sociedades de tipo “Ocidental” e “Oriental”. Termos originalmente geográficos, ganharam um caráter histórico-político com a conceituação formulada pelo filósofo italiano. Na sociedade “Oriental”, o Estado-coerção prevalece diante de uma sociedade civil primitiva e gelatinosa. Já na “Ocidental”, há uma relação equilibrada entre Estado e sociedade civil, espaço de disputa da hegemonia ideológica.
A sociedade civil brasileira teve um papel importante na vida política do país, tanto que foi duramente reprimida pela ditadura militar. Mesmo assim, conseguiu resistir. Coutinho considera o Brasil como um país de tipo “Ocidental”, mas aponta uma tendência de “ongzação”. Cria-se uma suposta lógica independente de Estado e mercado e, com isso, a luta dos diversos grupos deixa de lado as necessidades de toda a população, limitando-se a pontos corporativos. “A sociedade civil é terreno da luta de classes e de conflito profundo. Há uma tentativa de ‘americanização’. Querem transformar até mesmo o movimento operário em um instrumento puramente reivindicativo”, denuncia.
A essência da atividade política está em crise no Brasil?
Carlos Nelson Coutinho – Não só no Brasil, mas no mundo, tenho observado um avanço muita claro da “pequena política” sobre a “grande política”. Esse é um dos elementos fundamentais da hegemonia neoliberal. Com isso, modificações de governos não alteram as relações de poder. Um exemplo claro no Brasil de hoje é a chamada “blindagem da economia”. A grande preocupação do governo e da oposição é proteger a economia, ou seja, proteger o aspecto ligado a estrutura e organização. A crise que acontece no Brasil é muito mais da “pequena política” do que da política em sentido mais amplo. A discussão das cassações, da reforma política, voto por lista, eleição distrital tem sua importância, mas na verdade não tocam as grandes estruturais do país. Isso está afastado da agenda política.
Por que isso aconteceu?
CNC – Em grande parte por culpa do governo do PT, que abandonou as grandes propostas do partido e se concentrou em gerir o existente e administrar uma política herdada. Estamos diante do triunfo da “pequena política”, que está marcando a vida brasileira e internacional. Não é um fenômeno só brasileiro.
Como colocar a discussão das grandes questões na sociedade brasileira?
CNC – É fundamental que os movimentos sociais não conciliem com esse tipo de política pequena e continuem colocando suas demandas na agenda política geral. Nesse sentido, o MST tem cumprido o papel. Talvez seja o único movimento social significativo no Brasil que continua colocando as questões de estrutura em discussão. A direção da Central Única dos Trabalhadores (CUT), por exemplo, foi cooptada por esse modelo de governo. Não é casual que o presidente da CUT virou ministro do Trabalho [Luiz Marinho, empossado em julho]. Eu vejo com simpatia a criação do PSOL (Partido do Socialismo e Liberdade), um novo partido de esquerda, ainda em formação. Não está bem definido ainda seu programa e suas atividades, mas tem uma intenção explícita de recuperar e resgatar as bandeiras que o PT abandonou. E, portanto, pretende colocar na agenda política as grandes questões, como a construção de uma nova ordem social e reformas radicais que caminhem nesse sentido. É o que podemos fazer.
Com a consagração da “pequena política”, a alternância de grupos no governo não vai promover as mudanças na estrutura social do país?
CNC – Infelizmente é o que tende a ocorrer no Brasil. Cria-se dois blocos de partidos, um centrado no PT e outro no PSDB, que provavelmente vão se alternar no governo, mas sem maiores modificações. Tanto faz um como o outro: a economia está blindada. É ótima essa expressão. O que conta se a economia está blindada? Em um discurso, Lula dizia o seguinte: ficam querendo que eu me meta na questão da taxa de juros, isso não é um problema da presidência da República, é do Banco Central. O presidente do BC não foi eleito. Mais de 52 milhões de pessoas votaram no Lula e ele abriu mão de decidir aquilo que é fundamental para o país, que é a política econômica e monetária. É uma prova clara de que estamos longe de viver uma situação efetivamente democrática. O povo não tem como interferir com o voto nem com pressão nas grandes decisões que afetam o destino de todos nós.
Quais os desafios da esquerda dentro dessa conjuntura de polarização entre dois blocos sem diferenças significativas?
CNC – Precisamos colocar em discussão as grandes questões políticas. É uma tarefa que depende de toda a esquerda. Não é uma tarefa apenas do PSOL. Temos que criar um diálogo permanente entre a esquerda do PT — incapacitada de definir uma linha para o partido que discorde do governo, mas composta de pessoas valorosas que merecem nosso respeito – e com o PSTU, com quem freqüentemente discordo pelas posições sectárias. E, sobretudo, com os movimentos sociais. A função do MST é fundamental. Se o MST for cooptado, o que infelizmente é uma possibilidade, será uma tragédia ainda maior para a esquerda brasileira do que a cooptação do PT e do governo Lula. Por exemplo, a “Carta aos Brasileiros” foi infeliz. Embora dissesse que era contra a política econômica, defendia o governo Lula, que diz explicitamente que não vai mudá-la. A carta fala também do mito da conspiração das elites. Pelo contrário, Lula continua no governo porque as elites querem. A blindagem da economia implica manter Lula lá porque faz a política que interessa ao capital financeiro e ao grande capital em geral. Naquele momento eu fiquei preocupado. Seria extremamente negativo para a esquerda brasileira se um movimento tão importante e significativo como o MST deixasse de lutar pela agenda política que sempre lutou, com uma proposta anticapitalista.
Diante das imensas dificuldades, como reacender a discussão do socialismo?
CNC – Quem impõe à sociedade o socialismo é o capitalismo. Com suas enormes contradições, superadas por meio de novas contradições, cada vez maiores, o capitalismo coloca na ordem do dia a necessidade de outra ordem social, que é o socialismo. Uma ordem social solidária, não fundada no lucro privado, mas no interesse público. Pode haver formas de propriedade privada em alguns casos, mas seguramente os grandes meios de produção devem estar socializados. Para definir uma sociedade como socialista é fundamental que haja a socialização do poder político. Isso não ocorreu nos países do chamado “socialismo real”, o que explica o seu colapso. Imagino o socialismo no século 21 com uma crescente participação popular, com institutos de representação e parlamentos – é impossível no mundo de hoje não haver nenhuma representação – que têm que ser controlados por organismos de democracia direta de base, como conselhos locais e de fábrica, entre outros. Dessa forma, se cria espaços para uma autogestão dos trabalhadores sobre o conjunto da sociedade. O socialismo terá que ser profundamente democrático no sentido da integração da representação com a participação direta.
Como trazer as massas para o jogo político?
CNC – É um grande desafio, uma tarefa cotidiana de todos nós. É preciso nos organizar e contribuir para a organização popular. Não fazemos política isoladamente. Um grande intelectual pode fazer uma declaração e influenciar pessoas, mas o caminho correto para fazer política é por meio da organização, em partidos ou movimentos.
Vivemos em uma sociedade extremamente individualista. As pessoas querem levar vantagem em tudo e os anseios privados prevalecem. Nas cidades, esses valores parecem mais fortes que no campo. Como inverter a situação nos espaços urbanos?
CNC – No final dos anos 70, ainda sob a ditadura, houve um movimento associativista nas grandes cidades extremamente significativo, com a associação de moradores e favelados. Isso teve um papel importante no desgaste da ditadura e contribuiu para o fim do regime. Há um estudo que mostra que foram criadas mais associações no Rio de Janeiro, entre 1970 e 1980, que em todo o século 20. Foi um período muito rico. Portanto, é possível um associativismo urbano, inclusive de moradores de classe média e também favelados. Quem é culpado pela desativação do movimento social? É o PT ou o PT deu a guinada à direita porque o movimento social se enfraqueceu? Dialeticamente, são os dois fatores. Certamente, uma das nossas tarefas fundamentais é reativar o movimento social. O Gramsci tem uma frase muito bonita: um comunista deve combinar o pessimismo da inteligência com o otimismo da vontade. Não podemos ter ilusão na análise da realidade. Estamos vivendo uma realidade difícil. A esquerda está em retrocesso em todo o mundo. Tanto mais difícil é a situação tanto mais carecemos do otimismo da vontade para transformá-la. A análise pessimista não pode nos levar ao imobilismo. Ao contrário, deve nos levar a uma capacidade de ação e intervenção ainda maiores.
Como você avalia a organização da sociedade civil brasileira durante o governo Lula?
CNC – O Brasil é uma sociedade mais “Ocidental” do que “Oriental”. Há uma sociedade civil forte que se construiu e vem se construindo há décadas. Teve um papel importante na vida política brasileira no período dito populista. Foi reprimida duramente pela ditadura, e conseguiu se manter. Teve um papel decisivo no fim do regime militar. Mas há dois tipos de organização nas sociedades “ocidentais”: o modelo americano e o modelo ex-europeu — que está mudando. No modelo dos Estados Unidos, há uma sociedade civil organizada em torno de interesses puramente corporativos, com um associativismo limitado a questões extremamente particularistas. Faltam discussões dos grandes temas políticos. De maneira esquemática e simplificada, eu chamaria de “ongzação”. Criou-se uma ideologia que redefine a sociedade civil com o reino do bem, do voluntariado e para além do Estado e do mercado. É um mito. A sociedade civil é terreno da luta de classes e de conflito profundo. Há uma tentativa de “americanização”. Querem transformar até mesmo o movimento operário em um instrumento puramente reivindicativo. É um risco.
O setor bancário e as bolsas de valores são os setores mais beneficiados nos últimos anos pela no Brasil. Pode-se dizer que o capital financeiro tem a hegemonia na sociedade?
CNC – Dizer que tem a hegemonia na sociedade é complicado. Na década de 30 se formou no Brasil um bloco burguês, uma coalizão de frações burguesas. Até o final da ditadura, na década de 80, a fração industrial foi predominante. Isso marcou as políticas do período de alto crescimento e colocou o Brasil entre os países que mais cresceram no mundo. O triunfo do neoliberalismo é expressão do fato de que a fração financeira do capital, o capital bancário, mais precisamente, passou a ser a fração hegemônica no bloco de poder no Brasil e no mundo. A burguesia industrial continua também no poder, mas em condições não tão favoráveis como para o capital financeiro. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e o vice-presidente José Alencar — que se revelou paradoxalmente à esquerda de Lula – brigam contra a taxa de juros. Não é casual. Os industriais não se beneficiam com essa altíssima taxa de juros. Quem se beneficia é o capital financeiro e setores da camada média que têm aplicações financeiras. A fração financeira do grande capital tem a hegemonia conflitiva sobre as outras frações do capital. Vendeu a idéia de que a estabilidade monetária e o equilíbrio fiscal são fundamentais para a salvaguarda da economia e do capitalismo, e as outras frações aceitam.
Mas o capital financeiro continua avançando para a sua consolidação ideológica?
CNC – No Brasil de hoje há uma tendência da hegemonia de valores neoliberais, como as idéias de que temos que levar vantagem em tudo, cada um que lute pela sua vida, pobre é pobre porque é preguiçoso, quem tem mérito sobe na vida… Mas há resistências. Não há uma hegemonia consolidada da burguesia no Brasil como nos Estados Unidos. Em um Estado de tipo “Ocidental”, como é o caso brasileiro, além da coerção, as classes dominantes precisam consolidar seu domínio pela hegemonia. Estão tentando. A hegemonia neoliberal ainda é colocada em discussão permanentemente. A vitória eleitoral do Lula é em grande parte resultado do fato de que se votou contra o modelo neoliberal. Infelizmente, de certo modo, o governo Lula contribuiu para consolidar a hegemonia neoliberal.
De que maneira o governo ajudou o neoliberalismo?
CNC – O mais grave do governo petista não é que tenham abandonado as velhas propostas e tenham aderido ao neoliberalismo. Ao fazer isso, eles esvaziaram as forças sociais que resistiam ao neoliberalismo, como o PT e os movimentos sociais. Paradoxalmente, temos uma situação de consolidação neoliberal pior do que no governo Fernando Henrique, quando havia oposição real. Na Argentina, Carlos Menem [presidente do país entre 1989-99] privatizou tudo. A radicalidade da política neoliberal na Argentina foi muito maior que no Brasil. Não porque FHC não fosse tão liberal quanto Menem, mas havia o PT, a CUT e o MST que combatiam.
A resistência está enfraquecida exatamente porque PT e CUT, particularmente, deixaram de oferecer resistência ao neoliberalismo. O governo petista se tornou o terceiro governo da Era FHC – como diz Chico de Oliveira. Há uma hegemonia do neoliberalismo razoavelmente consolidada, mas ainda questionada permanentemente. Até porque o neoliberalismo só fez piorar as condições de vida do povo brasileiro e aumentou a miséria. Os “bolsas-famílias” não vão resolver. No período de 1930 até o final dos anos 80, houve uma certa taxa de inclusão social, com trabalhadores de carteira assinada e direitos previdenciários. Tivemos idas e vindas. Na ditadura caiu o salário, mas não foi tanto. Mantiveram um certo padrão de vida dos trabalhadores. De lá para cá, com o triunfo do neoliberalismo as condições de vida pioraram, os direitos sociais estão sendo desconstruídos e a parcela da renda do trabalhador no PIB (Produto Interno Bruto) diminuiu substantivamente. Em um quadro como esse, é muito difícil obter o consenso.
Para a esquerda construir a sua hegemonia, é possível contar com uma parcela da burguesia ou é preciso trilhar por outro caminho?
CNC – É um fato real a idéia de que setores do pequeno e médio capital podem estar interessados em uma política antineoliberal. Tanto uma burguesia média urbana como rural também — embora a União Democrática Ruralista (UDR) tenha tido a habilidade para hegemonizar o pequeno produtor rural, em nome da defesa da propriedade. Setores da burguesia podem aceitar algumas propostas. De qualquer forma, o centro da aliança alternativa ao neoliberalismo deve ser os trabalhadores urbanos e rurais. Trabalhadores no sentido amplo, não só classe operária fabril, mas do setor de serviços, tradicionalmente chamado de pequena burguesia, mas que hoje de burguesia não tem nada, só de pequena.
Pela via institucional é possível engendrar as transformações na sociedade?
CNC – Eu acredito mais numa combinação entre a via institucional e pressões vindas de baixo. Entendo democracia como um sistema que integra fortemente instituições, evidentemente, mas participação popular. As transformações poderão passar pelos caminhos institucionais, mas só na medida em que houver pressão de baixo e institutos de democracia direta que corrijam as distorções de democracia representativa.
Dentro da idéia de combinação de disputas eleitorais e pressões populares, como deve ser a relação dos partidos de esquerda com os movimentos sociais?
CNC – Deve ser de diálogo permanente. Aliás, um problema do PSOL é que ele não nasce ligado a fortes movimentos sociais. Ao contrário do PT, que surgiu a partir do movimento social, particularmente operário e sindical. Isso foi um fator muito importante para a dinamização e crescimento do partido. O PSOL ainda não conseguiu isso, mas é uma tarefa fundamental. O Gramsci acredita que os intelectuais sabem, mas nem sempre sentem, e o povo sente, mas nem sempre sabe. É de um diálogo entre intelectuais e movimentos sociais que podemos formular um bloco histórico efetivamente transformador. Os partidos devem dialogar e aprender com os movimentos, mas ao mesmo tempo deve dar uma diretriz geral, sem reprimir as demandas particulares dos movimentos, mas que seja capaz de potenciá-las numa frente mais ampla que envolva o conjunto da sociedade.
O PT surgiu com uma nova base ideológica, que negava tanto o socialismo soviético como a social-democracia européia. Com o tempo foi se burocratizando e perdendo as características originais. Na Europa aconteceu a mesma coisa com os partidos de esquerda. Quais devem ser as características de um novo partido de esquerda para evitar que os mesmos erros se repitam?
CNC – Também aqui não há nada que nos assegure contra isso. É sempre uma tarefa dos militantes e da direção do partido lutar para evitar o risco burocrático. O sociólogo alemão conservador Robert Michels escreveu um livro chamado “A sociologia dos partidos políticos”, no qual faz um estudo empírico da social-democracia alemã para mostrar como um partido revolucionário e radical foi progressivamente se burocratizando e terminou por ser um partido pouquíssimo democrático integrado ao sistema. Michels chegou a criar uma “lei de ferro da oligarquia”: toda organização termina fatalmente oligárquica. Apesar de discordar da tese, é um risco real.
Vale a pena correr o risco?
CNC – É um risco que inevitavelmente se correrá. Não é fatal que triunfe a burocratização. Eu continuo considerando o partido político como uma forma imprescindível na luta social. O partido revolucionário e transformador tem exatamente como função básica universalizar as demandas dos diferentes setores e colocar uma alternativa de sociedade. Para Gramsci, quando um partido não cumpre as suas funções, um intelectual importante, um jornal ou um grupo de jornais e um movimento podem ocupar a função. Se um partido não faz isso, um movimento social pode fazer, apesar de não poder ter a função precípua de um partido político.
É possível um partido revolucionário se manter revolucionário participando do jogo institucional?
CNC – Depende do que a gente entende por revolução. Na história do próprio pensamento marxista, há diferentes conceitos de revolução. A depender do contexto concreto, há estratégias revolucionárias diferenciadas. Há a estratégia de assalto ao poder, nas sociedades de tipo “Oriental” — que foi vitoriosa na Rússia de 1917 — que me parece inadequada para países de sociedades mais complexas, nas quais deve vigorar a “guerra de posição”. Eu tenho chamado essa estratégia de reformismo-revolucionário. Nós podemos trabalhar lutando por reformas radicais, mas tendo como objetivo final a superação do capitalismo. Não é substituir a revolução pela reforma, mas combinar dialeticamente reformas que apontem no sentido das transformações da ordem social. Estamos diante de grandes desafios. A esquerda mundial nunca esteve tão desafiada como está hoje. Nós brasileiros estávamos na contramão da tendência histórica de declínio da esquerda. O PT é o único partido de esquerda que cresceu no período de crise do movimento real do socialismo. Agora não estamos mais, nos encontramos pasteurizados como a esquerda mundial.
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