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Música, Comunicação e Identidades


Amanhã ocorre o seminário “Música, Comunicação e Identidades – Um debate sobre as formações e as dinâmicas das cenas musicais no Pará”, corajosamente organizado pelo Elielton Alves Amador, o Nicolau, músico e jornalista, e meu orientando no PPGCOM. Mesmo não estando presente (e à distância) gostaria de convidá-los a participar desse evento, se o tema for de seu interesse, pois é uma oportunidade de refletir, seriamente, sem as amarras da “doxa dominante”, sobre um dos fenômenos culturais mais importantes da cena paraense contemporânea.
O seminário tem um mote: a noção de cena musical. É preciso dizer que “cena” não é “campo”, não é “gênero”, não é “discurso”.  É uma noção híbrida, extremamente útil para compreender a complexidade do momento e a superposição de agentes sociais e de identidades.
Essa noção começou a ser desenvolvida aqui em Montreal, na McGill University, por meio da pesquisas do sociólogo Will Straw. O conceito chegou ao Brasil por através de vários pesquisadores do campo da comunicação, dentre os quais Jeder Janotti Júnior, professor da UFPE, que, vindo participar da banca de qualificação de mestrado do Elielton, também participa do Seminário.
Aliás, é preciso ser dito que o Seminário ocorre maximizando a presença, entre nós, do professor Janotti. O Elielton tem sido um pesquisador incansável e competente. Sua qualificação assinala um passo importante para nosso programa de pesquisa e, penso, é uma demonstração de quanto nós, na universidade, podemos e devemos dialogar com a sociedade, procurando um papel crítico, mas ao mesmo tempo aberto - prontos para debater mas, também, para escutar, aprender.
Lamento profundamente não poder estar presente na banca. Ocorre que, estando em pos-doutoramento, é difícil me deslocar até Belém. Mas torço à distancia.
Os que forem ao seminário vão encontrar discussões instigantes.
O Seminário contará com a presença de vários pesquisadores paraenses, sérios e grandemente competentes. Além do Jeder Janotti, é fundamental referir o trabalho de Antônio Maurício Dias da Costa, doutor em antropologia e professor dos programas de pós-graduação em Ciência Social e História da UFPA; de Otacílio Amaral Filho, doutor em ciências sócio-ambientais e pesquisador das artes do espetáculo na Amazônia, professor do PPGCOM e de Paulo Murilo Guerreiro do Amaral, doutor em Etnomusicologia e professor da UEPA. Dentre outros, é claro.
O Antônio Mauricio é autor de um dos livros seminais para compreender a cultura contemporânea paraense: “Festa na Cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará”  (Belém, Eduepa, 2009). Se não leram ainda, sugiro vivamente que leiam esse livro, um ensaio de antropologia cultural urbana de primeira qualidade.
Além disso, o Antônio Maurício também coordena o projeto de pesquisa “Na Periferia do Sucesso: rádio e música popular de massa em Belém nas décadas de 1940 e 1950”. Outros de seus trabalhos que considero muito importantes são os artigos “Espacialização Festiva em Disputa: estado, imprensa e festeiros em torno dos terreiros juninos de Belém nos anos 1970” (revista Interseções, UERJ, 2011, vol. 14, pp. 304-333); “Bailes da Saudade e do Passado: atualidades do circuito bregueiro de Belém do Pará” (revista Ponto Urbe, USP, 2008, vol. 2, pp. 7 e segs) e “A Festa dentro da Festa: recorrências do modelo festivo do circuito bregueiro no Círio de Nazaré em Belém do Pará” (Campos, UFPR, 2006, vol. 07, pp. 83-100).
Para quem está interessado em pesquisar música e identidade no Pará, considero esses trabalhos incontornáveis.
O Paulo Murilo coordena o projeto de pesquisa “Identidades musicais no Estado do Pará e a construção de uma cartografia regional através das guitarradas: o caso da lambada”O Otacílio Amaral tem elaborações instigantes sobre a cenalidade da Amazônia. Um trabalho dele, juntamente com sua orientanda Talita Banea, representará nosso PPGCOM no próximo encontro nacional da Compós, a reunião nacional dos pesquisadores vinculados a pós-graduações em Comunicação, com um trabalho instigante e provocador denominado “O espetáculo musical Terruá Pará: a música popular massiva convertida em política de estesia”.
Muito a dizer sobre isso.
Necessário fugir dos estereótipos, das fabulações de identidade e dos delírios massivo-midiáticos da micro-indústria cultural local, pública ou privada, que prossegue formulando um modelo de “cenalidade” centrado numa visão de comunicação ainda arcaica (Emissor-Mensagem-Receptor), ainda não, digamos assim, tocada, pelo modus producendi do fazer cultural distributivo da música paraense.
Tenho procurado discutir essa questão. Debati o tema na Compós do ano passado, num trabalho que será publicado em livro digital coletivo, o do GT Comunicação e Cultura, durante a Compós deste ano. Também publiquei, ano passado, quatro artigos que discutem a questão da música e ou a questão da “fabricação” da identidade amazônica:
- “As guitarradas paraenses: um olhar sobre música, musicalidade e experiência cultural” (revista Contemporanea, UFBA, vol. 10, pp. 429-445);
- “Comunicação, Identidade e TV pública no Pará” (revista Em Questão, UFRGS, vol. 18, pp. 149-167);
- “É tempo de Preamar. A política cultural de Paes Loureiro no Pará em 1987-1990” – escrito juntamente com Marina Ramos Neves de Castro (em Políticas Culturais em Revista, vol. 5, pp. 65-82);
- “A identidade encenada: a produção artística de Belém como laboratório e teatro da Amazônia” (revista Contemporânea, UERJ, vol. 10, pp. 137-149).
Esse feixe de temas é instigante. Temos em Belém, hoje, um bom grupo de novos pesquisadores lidando com o fenômeno da cena musical paraense. Não posso deixar de citar três, cujos trabalhos conheço mais de perto: o da Talita Baena, mestranda em Comunicação na UFPA, o do Enderson Oliveira, mestrando em Antropologia na UFPA e o do Mauro Celso Maia, mestre em Ciências Sociais pela UFPA e professor da Unama.
Temos, hoje, no âmbito da UFPA e da UEPA, ao menos quatro grupos de pesquisa que discutem o feixe música/identidade/Amazônia: o “Grupo de estudos musicais na Amazônia”, o ‘Círculo antropológico da dança”, o “Grupo de pesquisa música e identidade na Amazônia” e o “Grupo de pesquisa sociologia da cultura e da comunicação na Amazônia”, este último por mim coordenado.
E daqui para a frente.
Mas também gostaria de dizer algo um tanto mais ponderativo sobre o Seminário que o Elielton/Nicolau está organizando.
Penso que é muito importante, porém, colocar o problema da musica & identidade num plano de reflexão ponderável. E isso significa três coisas:
1. Resistir à tentação de pensar “identidade” como “algo que se tem”, o que leva a uma visão imobilista e ignóbil do processo cultural. Resistir a essa tentação significa recusar o caminho fácil – tão caro à infeliz e medíocre política cultural desenvolvida com estado do Pará, tão caro à essa “doxa dominante” que povo almas e cabecinhas de Belém – de simplificar o processo cultural de suas contradições internas.

2. Resistir à tentação de reduzir a noção de “cena musical” a termos aparentemente análogos, ou próximos que, na verdade, não são. “Cena” não é cenário, discurso, campo, gênero ou identidade. É outra coisa. Quem fala sobre música precisa dialogar com a produção na área. Precisa ler Straw, Janotti, Jorge Cardoso Filho, Michaell Herschmann, Cintia SanMartin Fernandes e vários outros.

3. Adotar uma postura crítica, mas também não-reducionista, para observar esse fenômeno (e os fenômenos da cultura, em geral). Eu diria, uma postura compreensiva, hermenêutica, centrada na interpretação da experiência social, da experiência cultural, com suas contradições, com suas camadas de sentido.
É isso. Bom seminário, aos que participarem. Repito que sinto muito por não estar em Belém, agora, para colocar meu ponto de vista sobre esse debate.
Ah, por fim mas não enfim, é claro que não poderia deixar de mencionar e saudar os apoios que o Elielton teve para organizar o Seminário. O PPGCOM, nosso Programa de pós-graduação em comunicação, cultura e Amazônia, da UFPA e a Secretaria de Estado de Comunicação. É sempre muito bom ver o poder público apoiar a reflexão crítica da academia, mesmo quando não concorda com ela. Toda disposição de ânimo para o debate público é louvável.

Voltarei ao tema amanhã.

Comentários

Anônimo disse…
Sutil, hein Fábio Castro? Mesmo à distância consegues fazer barulho....
Leila Macedo disse…
Legal a iniciativa. O Nicolau está sendo realmente imbativel, transitando entre a música, o jornalismo e a academia. E parabéns ao seu grupo de pesquisa e à UFPA: a reflexão que vocês estão fazendo sobre música e identidade é uma perspectiva crítica que faz a diferença!
Bia disse…
Muito bom. Vocês estão fazendo a diferença. O texto que você refere da Talita e do Tatá sobre o "Terruá Pará" já está disponível? Tenho todo interesse em conhecê-lo. Gostaria muito de entrar no mestrado de vocês. Você acha que é possível apresentar um projeto de pesquisa discutindo o Teeruá Pará como mistificação da identidade, tal como você faz no seu artigo sobre a Funtelpa?
hupomnemata disse…
Anônimo das 11h47,
Não sei do que você está falando......
hupomnemata disse…
Leila,
Ainda aguardando aquele seu texto, há algumas mil-léguas submarinas prometido. Parabéns ao Nicolau (no recinto solene da "Academia" ele é o Elielton), concordo com você. Ele está escrevendo muito e muito bem.
Anônimo disse…
Sim, né Fábio? Quem é a "doxa dominante"? Um novo eufemismo para não dizer os nomes "Paulo (doxa) Chaves" e "Ney (doxa) Messias"? KKKKkkkkkk...
hupomnemata disse…
Olá Bia,

Acho que o artigo ainda não está disponível, penso que só estará depois da Compós, mas procure no site do eve nto: compors.org.br.

Em relação ao seu projeto, o tema é bom, e é claro que é viável, mas acho que já está sendo trabalhado. Me parece que tem um trabalho nesse rumo na turma que entrou agora no mestrado.
hupomnemata disse…
Bia,
Só corrindo: o site é: compos.org.br
hupomnemata disse…
Anônimo das 16h56,
Se vc diz....
Anônimo disse…
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