Pular para o conteúdo principal

Sejamos ao menos máquinas humanas


Estava lendo Eça e....
"Aqui estamos sobre estamos sobre este globo há doze mil anos a girar fastidiosamente em torno do Sol, e sem adiantar um metro na famosa estrada do progresso e da perfectibilidade: porque só algum ingénuo de província é que ainda considera progresso a invenção ociosa desses bonecos pueris que se chamam máquinas, engenhos, locomotivas, etc., ou essas prosas laboriosas e difusas que se denominam sistemas sociais. 
Nos dois ou três primeiros mil anos de existência trepámos a uma certa altura da civilização, mas depois temos vindo rolando para baixo numa cambalhota secular. 
O tipo secular e doméstico de uma aldeia ária do Himalaia, tal como uma vetusta tradição o tem trazido até nós, é infinitamente mais perfeito que o nosso organismo doméstico e social. Já não falo de gregos e romanos: ninguém tem bastante génio para compor um coro de Ésquilo ou uma página de Virgílio; como escultura e arquitectura, somos grotescos; nenhum milionário é capaz de jantar como Lúculo; agitavam-se em Atenas ou Roma mais ideias superiores num só dia do que nós inventámos num século; os nossos exércitos fazem rir, comparados às legiões de Germânicos; não há nada equiparável à administração romana; o boulevard é uma viela suja ao lado da Via Ápia; nem uma Aspásia temos; nunca ninguém tornou a falar como Demóstenes - e o servo, o escravo, essa miséria da Antiguidade, não era mais desgraçado do que o proletário moderno. 
De facto, pode-se dizer que o homem nem sequer é superior ao seu venerável pai - macaco; excepto em duas coisas temerosas - o sofrimento moral e o sofrimento social. 
Deus tem só uma medida a tomar com esta humanidade inútil: afogá-la num dilúvio. Mas afogá-la toda, sem repetir a fatal indulgência que o levou a poupar Noé; se não fosse o egoísmo senil desse patriarca borracho, que queria continuar a viver, para continuar a saber, nós hoje gozaríamos a felicidade inefável de não sermos...»
Eça de Queiroz, "O Natal" (in Crónicas e Cartas)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Eleições para a reitoria da UFPA continuam muito mal

O Conselho Universitário (Consun) da UFPA foi repentinamente convocado, ontem, para uma reunião extraordinária que tem por objetivo discutir o processo eleitoral da sucessão do Prof. Carlos Maneschy na Reitoria. Todos sabemos que a razão disso é a renúncia do Reitor para disputar um cargo público – motivo legítimo, sem dúvida alguma, mas que lança a UFPA num momento de turbulência em ano que já está exaustivo em função dos semestres acumulados pela greve. Acho muito interessante quando a universidade fornece quadros para a política. Há experiências boas e más nesse sentido, mas de qualquer forma isso é muito importante e saudável. Penso, igualmente, que o Prof. Maneschy tem condições muito boas para realizar uma disputa de alto nível e, sendo eleito, ser um excelente prefeito ou parlamentar – não estou ainda bem informado a respeito de qual cargo pretende disputar. Não obstante, em minha compreensão, não é correto submeter a agenda da UFPA à agenda de um projeto específico. A de

Leilão de Belo Monte adiado

No Valor Econômico de hoje, Márcio Zimmermann, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, informa que o leilão das obras de Belo Monte, inicialmente previsto para 21 de dezembro, será adiado para o começo de 2010. A razão seria a demora na licença prévia, conferida pelo Ibama. Belo monte vai gerar 11,2 mil megawatts (MW) e começa a funcionar, parcialmente, em 2014.

Ariano Suassuna e os computadores

“ Dizem que eu não gosto de computadores. Eu digo que eles é que não gostam de mim. Querem ver? Fui escrever meu nome completo: Ariano Vilar Suassuna. O computador tem uma espécie de sistema que rejeita as palavras quando acha que elas estão erradas e sugere o que, no entender dele, computador, seria o certo   Pois bem, quando escrevi Ariano, ele aceitou normalmente. Quando eu escrevi Vilar, ele rejeitou e sugeriu que fosse substituída por Vilão. E quando eu escrevi Suassuna, não sei se pela quantidade de “s”, o computador rejeitou e substituiu por “Assassino”. Então, vejam, não sou eu que não gosto de computadores, eles é que não gostam de mim. ”