Há
alguns dias meu filho foi assaltado, pela segunda vez, e na mesma rua, a
Quintino, entre José Malcher e João Balbi. Hoje mesmo uma vizinha foi
assaltada, quando entrava no prédio. Ela e o porteiro foram rendidos por um
assaltante armado. O sujeito tinha um cúmplice, também armado, que dirigia uma
moto. Nenhum desses dois acontecimento, felizmente, produziu uma violência
maior que a já imensa violência de ser assaltado.
Mas
é preciso pensar na questão da segurança, porque, independentemente de
episódios pessoais, é evidente que Belém, que o Pará, estão vivendo num tempo
de completo descontrole, de radical descaso e absurda incompetência com a
questão da segurança pública – afora, é claro, as outras inúmeras questões de
descontrole, descaso e incompetência que nos rodeiam: na gestão pública, na
educação, na economia, nos transportes públicos, na cultura...
Agora,
se me permitem refletir um pouco sobre essa questão, quero observar algo a
respeito do assalto do meu filho. Logo após o acontecido, por trás da tensão
que, naturalmente, resulta de um acontecimento desses, ele ainda conseguiu me
descrever o assalto com algum bom humor:
“Ele
nem quis meu celular, pensou que eu tinha outro. Acho que não gostou do
celular. Perguntou quanto eu tinha de dinheiro e eu só tinha doze reais. Ele
nem quis. Eu que insisti para ele levar. Fiquei até com pena”.
Não
é para rir... mas pode fazer pensar. Olhei para o Pedro em silêncio, esperando
que a história continuasse. Esse “Fiquei até com pena” deixava o raciocínio em
suspenso. Pausa de um, dois, três segundos. E então ele continuou. E a frase
seguinte acabou comigo:
“O
cara devia ter a minha idade”.
Uma
situação que deve, também, ter acabado
com o Pedro.
Essa
reflexividade evidencia algo que é tão chocante quanto a violência de um
assalto: a violência de uma sociedade que não dá as mesmas condições de vida,
de alimentação, de estudo, de segurança, para dois garotos de 17 anos.
E o
“cara” do primeiro assalto devia regular pela mesma idade.
E o
primeiro usou uma arma. O segundo ...ainda... não.
Amanhã,
talvez, já tenha. Hoje, talvez, já a tenha.
Sei
que a maioria das vozes que falam dos assaltos, estarrecidas diante da
violência, se atêm à dimensão do risco pessoal, individual, sofrido. É normal
que isso ocorra, mas também podemos fazer um esforço para pensar no risco
coletivo, na situação de risco social, que é a razão de ser dos riscos pessoais
que nos comovem.
O
risco pessoal, é o risco do meu filho, meu, de todos nós. O risco social é o
risco do garoto igual a meu filho, mas distante dele por uma situação de
verdadeiro colapso de políticas sociais.
Precisamos
de política social, no Pará.
Sim,
precisamos de segurança, mas precisamos, desesperadamente, de políticas
públicas sociais. Políticas inclusão, de trabalho, de educação, de moradia...
Bom,
nessas circunstâncias é preciso falar, diretamente, ao Governador Jatene.
Afinal, não é ele que é o Governador?
Não é ele que deveria estar trabalhando, estar fazendo alguma coisa?
Governador
Jatene, se me permite, então, penso que o senhor deveria pensar sobre isso: não
precisamos de obras grandiosas e caras. Precisamos é de políticas sociais.
Mais
do que terminais hidroviários e do que parques ambientais temáticos, precisamos
de políticas sociais. Ainda mais quando esse terminal hidroviário é feito
ignorando e soterrando, por questões políticas, uma obra de R$ 7 milhões,
pronta para funcionar e localizada de forma a atender melhor a periferia da
cidade.
Governador
Jatene, o senhor segue insistindo nas políticas erradas.
O
Pará não precisa de uma política de moldura, de propaganda, feita no centro da
cidade e com um luxo que não podemos pagar. O Pará não precisa de uma política
de passe-partout, precisa de política
social.
Precisamos de uma política de
distribuição, de partilha e de generosidade, a ser feita lá onde a sociedade
está explodindo de necessidade.
É
claro que não tenho esperanças de que o senhor faça alguma coisa, caso leia
este texto. Sei que já não tem tempo para fazer diferente. Seu governo já está
acabando e não fará nada, nem neste sentido e nem em outro.
Mas
acho que essas coisas devem ser ditas para que pensemos, como paraenses, sobre
o que queremos para nosso estado.
O
fato é que as políticas sociais precisam virar tema de debate político. Gostaria
de saber o que os candidatos a sua sucessão têm a dizer a respeito delas.
Gostaria
de ouvir até mesmo o que o PT (partido ao qual pertenço e que, supõe-se, tem
compromissos históricos com políticas sociais), tem a dizer a respeito delas.
Sim,
porque eu não quero votar num PT que se omite de ter projeto, que deambula
segundo interesses eleitorais paroquiais ou que não tem coragem de implementar
ações mais radicais de mudança social.
O
fato é temos, em Belém, uma situação explosiva.
Sabemos,
pelo IBGE (Pesquisa sobre Aglomerados Subnormais), que 53,9% dos
habitantes de Belém vivem nesses “aglomerados”, que representam uma situação de
precariedade absoluta de condições de vida.
Também sabemos, pela mesma pesquisa, que Belém é a pior
cidade para se viver do país, em termos percentuais referentes às condições
mínimas para uma vida decente. 53,9% de excluídos em Belém formam uma distância
imensa em relação, por exemplo, aos 26,1% de excluídos de Salvador, cidade que
ocupa a segunda posição nessa tabela. Mesmo uma cidade gigantesca e
problemática como São Paulo possui apenas 11% de excluídos.
Também
sabemos, pelo relatório anual da ONG mexicana Conselho Cidadão Para a
Segurança Pública e Justiça Penal, que Belém, com uma taxa de homicídios de 48,2
para cada 1.000 habitantes, está entre as 30 cidade mais violentas do mundo.
Esses números são chocantes, não?
Ok, o senhor Governador e sua turma não irão se
convencer.
Somos nós que precisamos nos convencer.
Mudar valores e visões de mundo.
Por
exemplo: perceber que a política de segurança pública, quando repressiva, não
dá conta de conter uma violência em expansão vertiginosa se não há investimento
em política social.
Por
exemplo: perceber que saneamento é condição de dignidade, saúde, educação,
trabalho e renda.
Por
exemplo: perceber a urgência de retomar um projeto de saúde centrado na atenção
básica e na cobertura das áreas de risco social e não em fábulas
hospitalocêntricas.
Por
exemplo: perceber que a política cultural deve estar nas áreas de risco,
associada com quadras de esporte, com mais educação, com o ensino de música e
de artes, com ações de comunicação comunitária e, sobretudo, com bibliotecas e
distribuição de livros.
Para
citar alguns exemplos.
Se o
assalto que meu filho sofreu – e que, graças a Deus, repito, não resultou em
violência maior – me faz pensar sobre isso, é porque é preciso fazer um esforço
grande para pensar a violência na sua dimensão social, e não apenas do ponto de
vista dos riscos individuais.
Que
tal fazer um esforço, Governador, e pensar sobre isso também?
Um
pequeno esforço já ajuda. E não dá muito trabalho. Um pequeno esforço que talvez
lhe franza a testa, se muito.
Sabe,
governador, o assaltante tinha 17 anos. Era um garoto, um igual ao meu filho,
mas sem as mesmas oportunidades.
Sabe, deve ser duro ser igual e não
ter as mesmas chances.
Comentários
Tal pesquisa foi publicada no Jornal O Liberal de hoje, 30 de março de 2014, seção Poder pág.6. Assim, embora haja muita violência, não estamos na pior das situações. E estados como o Amazonas pioraram muito mais que nos.