Vim passer, desta vez, 45 dias em Montreal.
Aluguei um apartamento, mas ele só estará disponível daqui a alguns dias. Vim
para um hotel. Escolhi um hotel que já conheço, um hotel familiar, com apenas
20 quartos, na Rue Saint-Denis, Quartir Latin, um dos corações da cidade. Tinha
ficado nele há três anos, em 2011, quando Marina, Pedro e eu passamos uma
semana aqui.
Hotel central, ao lado da Grande Biblioteca,
ao lado da Uqam, dos cinemas que frequento e de tudo que preciso – e com bom
preço – tudo resultava conveniente.
E era, mas, de fato, não esperava pelo que
aconteceu.
Foi no dia seguinte.
Desci para tomar o café da manhã. A pequena
sala do café fica no subsolo do prédio. Estava curioso para ver se ainda
trabalhava por lá um senhos simpatico e falador, argeliano, amante de futebol,
com quem, na outra estadia, havia conversado a cada dia que descia para o café.
Pois bem. Abri a porta. Ele estava lá. Eu lhe
disse:
“Bonjour!”
Ele me olhou, apontou o dedo para cima e
respondeu:
"Pas bonjour, bom dia!"
Tinha me reconhecido. Achei aquilo incrível.
Que eu lembrasse dele, tudo bem, porque tenho boníssima memoria e porque ele
era o ponto fixo, e eu o sujeito em trânsito, mas que ele lembrasse de mim,
apenas um dentre milhares de hóspedes ?!?
E ele realmente se lembrava:
"T'es venu seul cette fois? Ta femme et
ton fils sont restés au Brésil?"
(Vieste só desta vez? Tua mulher e teu filho
ficaram no Brasil?)
Eu estava boquiaberto.
“Mais vous vous souvenez de moi? Vous me
reconnaissez?”
(Mas o senhor se lembra de mim? O senhor me
reconheceu?)
“Bien sur, mon ami!”
(Claro que sim, meu amigo!)
Não é incrível?
Tenho mais a falar a respeito do simpatico
argeliano, mas retornarei ao assunto mais tarde.
Passo ao episódio seguinte, curiosamente
similar.
Depois de tomar o café da manhã, peguei o
metrIo e fui a Côtes-des-Neiges, o delicioso bairro onde morávamos e onde fica
a UdeM (a Universitee de Montréal). Lá também fica minha agência bancária. Fiz
as coisas que tinha que fazer e caminhei uma quadra até o escritório das
“Belles Soirées”.
Trata-se de um programa da UdeM que oferece
dezenas de cursos deliciosos, nos mais dversos campos de cohecimento, da
filosofia à enologia, passando pela história de Creta e “geografia dos
subterrâneos de Paris”.
Minha missão era me inscrever num curso para
a Marina. Como ela não estea aqui eu vou fazer um curso para ela. Vou assistir
a oito aulas de história da arte grega e romana, tomar notas, gravar e
cumprimentar a professora, a Mme XXX em nome dela.
(Me digam se não sou um marido deicado?)
Pois bem, mal entrando no escritório das
“Belles Soirées”, ouvi a voz simpatico da secretária cantarolando meu nome:
“Bonjour monsieur Castro, ça faisait du
temps!”
(Bom dia, senhor Castro, há quanto tempo!)
Simpática, não?
Mais uma que se lembrava de mim e que era simpatica.
E nem vos conto: tem mais!
Minha missão seguinte era ir à loja da Apple,
rue de Sainte-Catherine. Peguei alí na frente o ônibus, o 165. Quinze minutos
mais tarde desci, caminhei três quadras, cheguei à Apple. Tinha umas trinta
questões a colocar sobre uma série de produtos-feitos-coisas. Fui atendido por
um vendedor atencioso que, lá pelas tantas, me disse:
“Eu vous reconnais. Nous etions dans le meme
bus tout à l’heure, celui qu’est venue des Côtes-de-Neiges”
(Eu estou lhe reconhecendo. Nós estávamos no
mesmo ônibus, ainda agora, vindo de Côtes-de-Neiges”)
Mais um que me reconhecia.
Sem mais comentários. Evito referir minha
auto-estima que dali saia embalada. Mas não resiste em observer que isso tanto
me aparece agradável, e mesmo incrível, à medida em que venho de uma cidade em
que se tomou por costume fingir que não se conhece as pessoas e ignorer toda
forma de cortesia e gentileza.
Dalí para a frente, se quizessem, eu dava
autógrafos, todo metido.
Mas na verdade o que ocorria era que eu
apenas retornava a um sistema de mundo que se centra na pessoa e no respeito da
pessoa. Algum dia eu falo disso.
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