Jogos da Commonwealth, em Glasgow, na Escócia, ontem. As duas moças são jogadoras de hockey australianas. Iam apenas fazer um selfie, no momento em que a Rainha estivesse passando, lá atrás. Não esperavam o que aconteceu: a Rainha da Inglaterra, talvez involuntariamente, parou para aparecer no selfie das meninas.
Percebemos aí mais uma variação da autonarratividade própria da cultura contemporânea. A rainha não apenas para e se faz aparecer na foto alheia: ela desliza para dentro, inclina a face num autoenquadramento intencional e sorri.
Não saberemos se o fez num arroubo intencional de humor ou num ato involuntário, distraído, que tanto pode ser de gentileza como de humor.
Veja-se que o selfie, qualquer selfie, rompe com a narratividade di-reta das fotos mais comuns - nas quais há a intencionalidade da imagem, a escolha do objeto fotografado e das condições de luz e na qual se estabelece uma narrativa "sobre algo". Mas o selfie também se diferencia daquela tradição fotográfica in-direta, na qual há também a indicação da subjetividade que está narrando a imagem recolhida, quando o fotografo sugere, de alguma maneira, que, mais do que "aquele é o mundo", que "aquele é o mundo que eu vejo". O selfie é outra coisa.
O selfie é o equivalente do discurso indireto livre em fotografia. É uma forma de mundo-no-qual-estou-me-vendo-quando-me-vejo.
O selfie é uma erosão da subjetividade. Ok, ele pode ser apenas uma fotografia de si-e-agora, mas também se realiza como autoironia, como autocondescendência, como autointervenção e como estratégia de diálogo ou encontro com o outro.
Com suas elipses de planos, ele embaraça o real, confundindo-o com narração.
E, para além dele, há essa forma decorrencial de selfie no qual "terceiros" deslizam para dentro da imagem do selfie alheio. Algo comum, cada vez mais comum.
Há que chame a isso de foto-bomba. Definição: alguém vai fazer uma fotografia, selfie ou não, e um intruso, por descuido ou propositadamente, desliza para dentro dela.
A rainha do Reino Unido glissou, escorregou, deslizou, de certa maneira, do seu mundo para este outro.
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