Pular para o conteúdo principal

Sobre o V Congresso do PT: significantes sem significado


Pois é, mais do mesmo. Me uno ao coro dos descontentes com o V Congresso do PT. Passei parte do meu domingo lendo a “Carta de Salvador”, o documento resultante, e algumas análises feitas a respeito. Não tive acesso às resoluções. Para mim, a “Carta de Salvador” soa como música progressiva, que progride num crescendo sibilante e enjoado, ponto à ponto, sem variação de ritmo. Música chata.
Não sei onde ficaram aquelas análises de conjuntura, sérias e inteligentes, que o PT sabia fazer. O que mudou no capitalismo brasileiro, no padrão de acumulação de riquezas, durante o Governo Dilma? Qual o impacto desse conservadorismo canibalesco que tomou o Congresso e parte da sociedade sobre a organização social no país? Qual a estratégia possível para o combate a essa partidarização do judiciário e da Polícia Federal que estamos vendo? São perguntas quem, ao que me parece, nem se tentou responder.
Significantes e significados se embaralharam. Por um lado se diz: “a nova realidade impõe um desmonte progressivo do rentismo, um combate implacável aos saudosistas do neoliberalismo a fim de recuperar a soberania financeira do Estado”. Ótimo. Mas isso fica vazio quando não se diz o que se há de fazer em relação a tudo isso. E não se diz mesmo.
Pede-se paciência: aprova-se a política econômica do Governo, ignora-se a questão da mídia e não se toma uma posição, como esperado, em relação à interdição, no partido, do financiamento privado de campanha.
Embaralham-se significados com significantes, e já nada mais significa alguma coisa. Já não se podia falar de ruptura no PT: a proposta passou a ser de “transição” do neoliberalismo para “outro modelo”, mas agora já nem se pode falar em transição. O termo “significante” passou a ser “desmonte progressivo”. Do que? Do rentismo. Ora, senhores, do rentismo? E a luta de classes, onde ficou? E as reformas estruturais, onde ficaram?
Música progressiva. Pois é, música chata. E a crise de “significados” fica ainda mais braba com os efeitos retóricos, absolutamente ridículos, que abundam no documento. Coisas do tipo “É só querer e, amanhã, assim será!”. Gente, o que isso quer dizer? Quer o quê? Ora, já não se sabe que querer não basta? Me deu até vontade de escutar Carcará com a Maria Bethânia, para ver se um significado, mesmo que arcaico, se acomoda a essa ideia. Afinal o Carcará, sendo o bicho que é e que faz aquilo que (lembram?) faz, sabe mais que nenhum outro, que não basta querer.
Alguém me diz, “Ah, mas é preciso ter sensibilidade para com o momento”. Então... Bom, eu a tenho. Justamente. Todo apoio ao Governo Dilma. Toda solidariedade e toda indignação em relação ao golpismo e ao conservadorismo que assolam a nação. Porém, outra coisa é o partido. Penso que caberia ao PT a coragem de elaborar, neste momento, com transparência e discutindo com a sociedade, uma análise profunda e crítica dessa situação.
Entrementes... a opção foi pela mudez. E pela paralisia. A velha estratégia de fingir-de-morto para esperar que as forças históricas (sobrenaturais) coloquem no eixo a situação – bem como os significantes de significados exaustos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Eleições para a reitoria da UFPA continuam muito mal

O Conselho Universitário (Consun) da UFPA foi repentinamente convocado, ontem, para uma reunião extraordinária que tem por objetivo discutir o processo eleitoral da sucessão do Prof. Carlos Maneschy na Reitoria. Todos sabemos que a razão disso é a renúncia do Reitor para disputar um cargo público – motivo legítimo, sem dúvida alguma, mas que lança a UFPA num momento de turbulência em ano que já está exaustivo em função dos semestres acumulados pela greve. Acho muito interessante quando a universidade fornece quadros para a política. Há experiências boas e más nesse sentido, mas de qualquer forma isso é muito importante e saudável. Penso, igualmente, que o Prof. Maneschy tem condições muito boas para realizar uma disputa de alto nível e, sendo eleito, ser um excelente prefeito ou parlamentar – não estou ainda bem informado a respeito de qual cargo pretende disputar. Não obstante, em minha compreensão, não é correto submeter a agenda da UFPA à agenda de um projeto específico. A de...

Solicitei meu descredenciamento do Ppgcom

Tomei ontem, junto com a professora Alda Costa, uma decisão difícil, mas necessária: solicitar nosso descredenciamento do Programa de pós-graduação em comunicação da UFPA. Há coisas que não são negociáveis, em nome do bom senso, do respeito e da ética. Para usar a expressão de Kant, tenho meus "imperativos categóricos". Não negocio com o absurdo. Reproduzo abaixo, para quem quiser ler o documento em que exponho minhas razões: Utilizamo-nos deste para informar, ao colegiado do Ppgcom, que declinamos da nossa eleição para coordená-lo. Ato contínuo, solicitamos nosso imediato descredenciamento do programa.     Se aceitamos ocupar a coordenação do programa foi para criar uma alternativa ao autoritarismo do projeto que lá está. Oferecemos nosso nome para coordená-lo com o objetivo de reverter a situação de hostilidade em relação à Faculdade de Comunicação e para estabelecer patamares de cooperação, por meio de trabalhos integrados, em grupos e projetos de pesquisa, capazes de...

Comentário sobre o Ministério das Relações Exteriores do governo Lula

Já se sabe que o retorno de Lula à chefia do Estado brasileiro constitui um evento maior do cenário global. E não apenas porque significa a implosão da política externa criminosa, perigosa e constrangedora de Bolsonaro. Também porque significa o retorno de um player maior no mundo multilateral. O papel de Lula e de sua diplomacia são reconhecidos globalmente e, como se sabe, eles projetam o Brasil como um país central na geopolítica mundial, notadamente em torno da construção de um Estado-agente de negociação, capaz de mediar conflitos potenciais e de construir cenas de pragmatismo que interrompem escaladas geopolíticas perigosas.  Esse papel é bem reconhecido internacionalmente e é por isso que foi muito significativa a presença, na posse de Lula, de um número de representantes oficiais estrangeiros quatro vezes superior àquele havido na posse de seu antecessor.  Lembremos, por exemplo, da capa e da reportagem de 14 páginas publicados pela revista britânica The Economist , em...