Fui
por duas vezes, nos últimos quatro dias, assistir ao novo Star Wars. Havendo
convivido, nos últimos meses, com a imensa expectativa do meu filho em relação
a esse filme – a qual, deve ser dito, não era, no entanto, menos minha, era
preciso negociar com certa ansiedade. Havia um receio de decepção com o qual
lidar. A espera pelo episódio VII e as vicissitudes motivadas pela entrada da
Disney no negócio vinham sendo demasiadas. Não obstante, partilho da impressão
que parece ser geral, nesta e nas vizinhas galáxias, a seu respeito: o filme é
excelente. E não decepciona.
Trata-se
de uma história impressionantemente bem contada. “Bem amarrada”, acho, tem sido
o termo mais usado para descrevê-la. Amarrada no enredo, amarrada nas
referencias, amarrada nos silêncios e enigmas e amarrada nos afetos. É tão bem
amarrada que já amarra os episódios a vir, deixando pistas para o que virá e
criando a expectativa necessária para que possamos alimentar nossa própria
ansiedade com um pouco de dignidade.
A
prova disso é a reação da platéia. Que viu o filme deve ter percebido a reação
da platéia. Impossível não perceber. Sobretudo para que comunga, com a obscura
platéia, aquilo a que Michel Maffesoli – de quem fui padawan no idos do meu doutorado – descreve como sendo uma
comunidade efêmera de partilha de sentidos. Alguns exemplos, todos eles tomados
por primeiros planos repentinos: quando
entrevê-se que a sucata que Ray e Finn tomarão em sua fuga não é nada menos que
o Millenium Falcon; quando
Han Solo e Chewbacca aparecem de repente – embora se aguardava gente bastante
má - e o primeiro diz, ao outro,
“We’re home, Chewie”; quando
a princesa (general) Lea Organa sai da nave e sorri para Han Solo – e, na seqüência,
quando o intrometido dróide C3PO, com seu sotaque afetado da mordomo inglês, preenche
a tela, na diagonal; quando
a jovem Ray, usando da força, atrai o
lightsaber, deixando Kylo Ren no chinelo...
Em
todos esses momentos ouvi manifestações de afeto – e, consequentemente,
construções de sentidos comunais. Todos efêmeros, mas todos vigorosos,
efetivos, marcantes. Exclamações, suspiros, caracas, ohs e palmas de
simultaneidade expontânea ou construída – isso não importa – que atravessava a
platéia, nesses e em outros momentos e a transcendiam, porque não se tratava de
uma manifestação pontual, mas da participação num tecido intersubjetivo que
ligava essas pessoas – eu dentre elas – numa comunidade de afetos carregada de
referências e que certamente se espalha pelo mundo.
E
isso fora a carga emocional não exprimida, mas evidentemente também presente. A
ideia de comunidade de sentidos, presente na sociologia fenomenológica, que é
uma sociologia da cultura, penso, traduz essa experiência.
Na
verdade, isso tudo me lembra um conceito de Luhmann incrivelmente apropriado: Erwartungserwartungen. Desculpem a referência – pesada, bem sei – mas Erwartungserwartungen quer significar,
mais ou menos, as situações interacionais nas quais há uma imensa expectativa
em relação às… expectativas…
Segundo
Luhmann, importante parte da vida social se dá por meio dessas partilha de
expectativas comuns. Isso, mais ou menos, quer dizer que eventos que não
possuem conexões casuais com o passado e o futuro do sistema produzem-nas a
partir de uma aleatoriedade sensível, gerando um complexidade que... Bom,
digamos, que é nosso mundo, que somos, que nos rodeia... Em síntese: mitos se
produzem na vivência, na sua imediata experimentação.
Lá,
no cinema escuro, sem ver rostos, partilhei, eu mesmo, esse sentir-em comum. Maybe
the force.
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