Carta Aberta ao Conselho Universitário e à comunidade acadêmica sobre a perigosa e incorreta decisão de antecipar as eleições na UFPA
Carta Aberta
da Chapa João e Armando ao Conselho Universitário e a toda a Comunidade
Acadêmica em defesa da autonomia universitária, da legalidade e do Estatuto da
UFPA
Belém, 12 de abril de 2016
Senhora(e)s Conselheira(e)s,
Demais membros da Comunidade da UFPA,
Preocupados com a possibilidade da antecipação da consulta à
comunidade acadêmica para a escolha dos futuros Reitor e Vice-reitor da UFPA,
manifestamos nossa indignação em relação à maneira como esse processo está
sendo conduzido e alertamos o Conselho Universitário e a Comunidade Acadêmica
da nossa Universidade para o potencial estado de insegurança jurídica que pode
resultar da desconsideração do Estatuto da UFPA no processo.
Além disso, acreditamos na necessidade de manter um debate
mais aberto, amplo, democrático e plural a respeito do futuro da nossa
universidade, importante para a comunidade e para toda a sociedade paraense. Em
nossa perspectiva, não é possível escolher reitores sem debater, ao mesmo
tempo, o futuro da Universidade. E não é possível fazer debates estratégicos
para o futuro da nossa sociedade em eleições apressadas e subvertidas por
interesses locais.
Isto considerado, pedimos vossa atenção para o que expomos a
seguir:
Na justificação da sucessão de atos de convocação e que torna
sem efeito a convocação, já no dia 08 de março de 2016, o reitor de nossa
Universidade anunciou formalmente seu desejo de concorrer à Prefeitura
Municipal de Belém. Na mesma missiva à comunidade, anuncia que a renúncia do
Reitor impõe a situação da vacância e impõe a convocação de novas eleições.
Fundamentando a compreensão nesse sentido, se apoia na “legislação em vigor
(Lei n 9.192, de 21/12/1995, Decreto no. 6.264, de 22/11/2007 e Decreto no.
1.916, de 23/5/1996), estabelecida a vacância no cargo, o Conselho
Universitário dispõe de, no máximo, 60 dias para elaborar e encaminhar uma
lista tríplice ao MEC, que procederá a nomeação do reitor para o exercício do
novo mandato de quatro anos”.
Com efeito, em tempos de crise política conduzida pela
violação da legalidade e da democracia, fruto dos juízos prévios e pouco
refletidos jurídica e politicamente, é vital que a comunidade universitária se
debruce da forma mais profunda possível, visando a não criar prejuízos de
qualquer natureza.
O conjunto de diplomas citados referem em síntese a:
a)
Nomeação
do Reitor e Vice-Reitor pela presidência da República;
b)
Disciplinam
a forma de escolha dos dirigentes e:
c)
A
vacância de Reitor ou Vice-Reitor, o Conselho Universitário deverá encaminhar
nova lista à nomeação pela Presidência da República;
d)
Indica
a possibilidade da nomeação pró-tempore.
Com efeito, de nenhuma forma pode-se afirmar que os
dispositivos legais indicados são suficientes para permitir a resolução
integral dos problemas enfrentados pela Universidade, em face da vacância
aberta com a renúncia do Reitor.
Nossa leitura centra-se sobre
o que dispõem o DECRETO Nº 1.916, DE 23 DE MAIO DE 1996, que regulamenta
o processo de escolha dos dirigentes de instituições federais de ensino
superior, nos termos da Lei n° 9.192, de 21 de dezembro de 1995. O referido diploma em seus Art 6º e 7º,
estabelecem o que segue:
Art. 6° Nos casos de vacância dos cargos de Reitor ou
Vice-Reitor de universidade, de Diretor ou Vice-Diretor de estabelecimento
isolado de ensino superior, de Diretor-Geral ou Vice-Diretor de centro federal
de educação tecnológica e de Diretor ou Vice-Diretor de unidade universitária,
as listas a que se referem o caput e os §§ 1°, 2º, 3° e 4º do art. 1°, serão
organizadas no prazo máximo de sessenta dias
após a abertura da vaga e os mandatos dos dirigentes que vierem a ser
nomeados serão de quatro anos. (Vide Decreto nº 4.877, de 2003)
Art. 7º O Presidente da República
designará pro tempore o Reitor ou o Vice-Reitor de universidade e o Diretor ou
o Vice-Diretor de estabelecimento isolado de ensino superior quando, por
qualquer motivo, estiverem vagos os cargos respectivos e não houver condições
para provimento regular imediato.
A interpretação dada ao dispositivo supracitado na missiva à
comunidade é que, em face da vacância do cargo de Reitor, ainda a ser provocada
pela renúncia a ser anunciada, estaria configurada a hipótese normativa (art.
6º, supra), impondo-se a abertura da consulta. Mas a hipótese legal do artigo
6º, ao indicar a circunstância de vacância dos cargos de Reitor ou Vice-Reitor,
deixa abertas questões importantes que não são resolvidas no diploma legal, e
que precisam ser enfrentados pela Universidade, dentro de seu espaço legal de
autonomia que nos conferiu o legislador constitucional, ex vi do art. 207 da
CF.
O texto legal suscita razoáveis dúvidas que, longe de
implicar diletantismos interpretativos, referem a questões concretas de grande
consequência à gestão universitária, ao princípio da continuidade da gestão
administrativa, à democracia interna, à segurança jurídica.
Questão preliminar:
quando se instaura a vacância?
Antes convém observar que se há um momento em que a Lei se
apresenta clara, é quando estabelece que o prazo estabelecido para a preparação
de nova lista se dá após a abertura da vaga, após a vacância. Não é o que
parece sugerir o Reitor e a imprensa que já inaugura sua campanha eleitoral.
Por evidente, supondo a realização de consulta prévia à Comunidade, esta só
teria lugar após a renúncia do Reitor, e não antes. Regimentalmente, a consulta
e a preparação da lista ao MEC só tem lugar no caso do exaurimento do mandato,
de 4 (quatro) anos, ou nos casos anômalos, como a presente renúncia. No caso
específico o reitor induz a realização da consulta ainda com o seu mandato em
curso, aproveitando de uma situação jurídica que só é considerada em caso de
excepcionalidade.
O Reitor encontra-se no curso de seu mandato. Ainda lhe resta
mais de um ano de mandato. Não se pode questionar a conveniência pessoal do
Reitor em preferir renunciar para tentar uma carreira política. Trata-se de um
direito. Todavia, o exercício dessa prerrogativa requer a prática do ato de
renúncia, da formalização à Universidade. Por certo, se evitar a renúncia o
Reitor conduzirá as eleições, mantendo as rédeas da gestão nesse processo. Mas
julgamos que é incompatível com as regras jurídicas a situação extrema em que o
Reitor poderá conduzir o processo eleitoral antecipado, em razão de que renunciará. No caso o Reitor usará a renúncia em seu
benefício, levando o Consun a antecipação das eleições. Com efeito, a situação
da antecipação das eleições só existe em função da renúncia e não em função da
expectativa da renúncia.
Concretamente, um abuso de direito, uma violação da regra
legal, porque, objetivamente, sem renúncia não há vacância caracterizada e sem
a vacância caracterizada a mobilização da consulta não tem lugar, em vista da
fruição regular dos mandatos do Reitor e
Vice-Reitor.
Portanto, apenas a circunstância concreta da vacância, de
acordo com o art 6º do Decreto 1916/96 desencadeia a obrigatoriedade da
consulta, dentro do prazo assinalado. A expectativa da renúncia não gera
obrigações e a mobilização da IES para cumprir interesses políticos eleitorais
implica evidente desvio de finalidade da administração, o que perfaz a nosso
entender ato típico de improbidade administrativa.
Em síntese: para a
condução justa e legal do processo de sucessão na UFPa, em respeito ao
imperativo legal, é preciso compreender que a vacância do cargo de reitor só se
instaura com o ato de renúncia formalmente estabelecido.
Apenas a partir do ato formal é que se abriria o prazo para a
confecção da lista. O Reitor, ao renunciar, não participa de tal processo. O
Processo de escolha não tem lugar dentro do mandato.
Segunda questão:
afinal, o vice-reitor pode exercer o cargo de reitor em caso de vacância?
Do exposto acima, a única certeza que a Lei nos permite é a
de que a vacância dos cargos tem seu termo com um fato que a caracteriza. Nada
mais. A Lei, como veremos, não autoriza a falar que a vacância do cargo de
Reitor implica a abreviação do mandato do Vice-reitor, ou que a vacância do
cargo de Reitor não abre a sucessão deste cargo pelo Vice-Reitor.
De fato, o Estatuto da Universidade federal do Pará parece
evitar as locuções vacância e sucessão, quando referem ao Reitor e ao
Vice-Reitor. Em uma única situação, todavia, a expressão vacância tem lugar:
“Art. 19. À Reitoria, como órgão executivo superior, cabe a
superintendência, a fiscalização e o controle das atividades da Universidade,
competindo-lhe, para esse fim, estabelecer as medidas regulamentares
cabíveis.
Art. 20. A Reitoria será exercida pelo Reitor e, nas suas faltas e
impedimentos, pelo Vice-Reitor.
§ 1º Nas faltas ou impedimentos simultâneos do Reitor e do Vice-Reitor, a
Reitoria será exercida pelo Pró-Reitor designado pelo Reitor.
§ 2º Ocorrendo a vacância
simultânea dos cargos de Reitor e de Vice-Reitor, assumirá a Reitoria o
decano do CONSUN, cabendo-lhe convocar o referido Conselho para proceder a nova
eleição, em conformidade com a legislação em vigor.”
Vale ressaltar que o Estatuto da Universidade Federal do Pará
é posterior ao Decreto 1916/1996. Se não é o caso de equipararmos a norma
interna da UFPa com o Decreto, nos é lícito considerar o alcance receptivo da
evasiva dicção do artigo 6º do Decreto: enquanto o Decreto refere a vacância
dos cargos de reitor ou de Vice-Reitor, nosso estatuto refere que apenas nos
casos de simultaneidade de vacância é que se impõem a condição da eleição.
Foi bem o legislador de nosso Estatuto, tendo considerado
ainda que implicitamente a unidade do órgão executivo superior da Universidade
integrado pelo Reitor e Vice-Reitor. Na normativa interna corporis da UFPa, ancorada na autonomia que lhe reservou o
constituinte, apenas nos casos de vacância simultânea é que o Consun é chamado
a proceder novas eleições.
Não há que se falar sequer em aparência de contradição entre
o que estabelece o § 2º a hipótese da
vacância sucessiva, e as hipóteses de meros exercícios da função de reitor
pelo vice-reitor, nas situações de falta e impedimentos, como tratado no caput
e § 1º do Estatuto da UFPa, porque
mesmo que vise a alcançar situações de natureza diferentes, de afastamentos
temporários e definitivos, a norma trata sempre de regular o exercício da
função de Reitor, evitando que a
Universidade fique excepcionalmente sem comando em situações de vacância.
O que é importante, no caso da UFPa é que o legislador tenha
considerado a situação da vacância do Reitor e estabelecido que apenas na
situação de simultaneidade da vacância de reitor e vice-reitor é que devem ser
convocadas novas eleições.
Consideramos que o Estatuto da Universidade Federal do Pará é
uma regra eficaz. Ressaltamos, sobretudo, que no particular o Estatuto não
contraria a Lei Federal, tendo em vista a dicção aberta e indeterminada da Lei
federal, que não estabelece com precisão o fim a que pretende alcançar e tende
a criar confusões acerca da permanência dos mandados. Acima de tudo, devemos
ressaltar ainda o valor ético do Estatuto da Universidade Federal do Pará, um
instrumento de nossa comunidade, significativo do caro direito de autonomia
universitária.
A previsão do exercício regular do cargo de Reitor pelo
vice-reitor nos casos de vacância, quando é definitivo o afastamento do Reitor,
não é uma hipótese estranha aos diplomas normativos das Universidades Federais,
que de forma expressa ou tácita estabelecem a direção a ser adotada pela
Universidade.
Esse é o caso, por exemplo do Estatuto da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, que dispõem em seu artigo 74:
“Art. 74. Em caso de vacância, o cargo do Reitor será exercido pelo Vice-Reitor,
e o de Vice-Reitor, por um Pró-Reitor designado pelo Reitor, num ou noutro
caso, até a posse do novo titular regularmente provido”.
O Estatuto da Universidade federal do Ceará, UFC, talvez seja
o mais claro de todos no que respeita a questão em comento, da circunstância da
vacância do Reitor e do exercício do cargo pelo Vice-Reitor. Na hipótese, o
Estatuto da UFC estabelece que:
“Art. 24. Os mandatos do Reitor e do Vice Reitor serão simultâneos e com
duração de 04 (quatro) anos, permitida, em cada caso, uma única recondução.
§
1º Em caso de
vacância do cargo
de Reitor, o
Vice-Reitor assumirá o exercício do cargo.
§ 2º No caso de vacância simultânea dos cargos de Reitor e Vice-Reitor,
assumirá a Reitoria
o Pró-Reitor mais
antigo no magistério
da Universidade, cabendo-lhe
convocar o Conselho
Universitário para, dentro
de 60 (sessenta)
dias, elaborar as listas tríplices, nos termos do que dispõem
os artigos 21 e 22 deste Estatuto”
A Universidade Federal do Alagoas, igualmente sem adentrar no
conceito de sucessão, compreende a situação específica da vacância do Reitor e,
diante dela, que o Vice-Reitor exerce o cargo até o final do mandato.
Art. 16. O Reitor
representa ativa e passivamente a UFAL perante pessoas físicas e jurídicas de
direito público ou privado, em juízo e fora dele, e em todos os atos jurídicos
com poderes de administração em geral.
§ 1º. Nos
impedimentos e ausências
eventuais, o Reitor
é substituído pelo
Vice-Reitor, e na
ausência de ambos,
pelo Diretor de
unidade acadêmica mais
antigo no magistério da UFAL.
§ 2º. No caso
de vacância do
cargo de Reitor, o
Vice-Reitor o substitui
para conclusão do mandato.
§ 3º. No caso de
vacância do cargo de Vice-Reitor, o Conselho Universitário elege o substituto
para a conclusão do mandato, na forma da legislação em vigor.
Uma conseqüência
nefasta: privilegiar o decreto sobre o Estatuto leva ao fim do voto paritário.
Por fim, é preciso ressaltar que, caso o Consun entenda que o
Decreto 1916/96 se sobrepõe ao Estatuto da UFPA nessa questão isto resultará na
derrubada de todos os demais preceitos estabelecidos por nossa Universidade em
relação ao processo sucessório da Reitoria, inclusive o princípio da paridade
entre as categorias da comunidade acadêmica na escolha da sua gestão superior,
fazendo prevalecer o critério da proporcionalidade de 70% para a categoria dos
docentes, tal como prescrito pelo referido decreto.
Desejamos manter a tradição da paridade, conquistada pela
Comunidade Acadêmica e expresso em seu Estatuto. Ressaltamos que esse princípio
vem sendo utilizado na UFPA, mesmo com a existência do Decreto 1916/96, em suas
quatro últimas eleições e que não há nenhuma razão para que isso ocorra de
outra maneira.
Diante do exposto, fica claro que:
a)
O
Vice-Reitor deve exercer o cargo de Reitor em casos de vacância
b)
A
Lei não é conclusiva acerca da convocação imediata da consulta, nos casos de
vacância de Reitor e/ou Vice-Reitor;
c)
A
caracterização da vacância dos cargos de Reitor e/ou Vice-Reitor não é
estabelecida pelo decreto Lei, mas demanda a norma interna corporis.
d)
O
Estatuto da UFPa compreende que a vacância dos cargos de Reitor e Vice-Reitor
só restam configuradas quando é simultânea, ou seja, quando Reitor e
Vice-Reitor, por qualquer motivo de suas conveniências renunciam a seus cargos.
e)
O
Estatuto da UFPa, ex vi do art. 20 § 2º, compreende o exercício do cargo pelo
Vice-Reitor, no caso de vacância do Reitor;
f)
As
normas Estatutárias das Universidades Federais, compatíveis com a legislação
federal a respeito, constituem fonte suficientes para apoiar a boa resolução da
questão aberta.
Respeitosamente,
João Weyl e Armando Lirio
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