1.
Vários motivos fundamentam o Brexit. Em primeiro lugar o espírito
conservador, que grassa no ocidente de maneira assustadora e que engendrou o
populismo britânico atual – agente central do Brexit. Mas esse populismo
conservador não é sem razão. A União Europeia tem dado motivos para muita gente
querer sair dela. Dentre esses motivos, é central a arrogância da Alemanha,
personificada na figura do seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, que
vem impedindo até mesmo a discussão de um plano de recuperação econômica por
meio de Eurobonds. Essa possibilidade dinamizaria as economias da França e do
Reino Unido e salvaria Portugal, Espanha e Itália, mas não é de interesse
alemão. A injeção de Eurobonds emitidos
por governos dos estados europeus no mercado mundial ajudaria a reciclar os
excedentes globais e, em consequência, geraria o crescimento do consumo e do
emprego no continente.
2.
Dentre os resultados do Brexit, há algumas questões geopolíticas a
considerar. A primeira delas diz respeito ao próprio espaço interno do Reino
Unido, porque Escócia e Irlanda do Norte, que votaram massivamente contra a
saída da União Europeia podem retomar, agora com motivos estratégicos, a
própria saída do Reino Unido para poderem voltar a fazer parte da UE. No caso
da Irlanda do Norte, essa situação pode fortalecer a velha ideia de unificação
com a Irlanda.
A segunda questão, de impacto imenso no planeta, é a questão da
imigração e do êxodo de refugiados para o Reino Unido. Fato é que a UE
constitui hoje, por meio de seus acordos sobre a imigração, a principal
proteção do Reino Unido contra o crescimento desordenado da imigração não planejada. Com sua saída da UE, esse fluxo tende a ficar
descontrolado e a aumentar. O ministro do interior da França, Emmanuel Macron,
afirmou que, em caso de Brexit, se torna sem efeito o acordo de Calais, por
meio do qual a França retém imigrantes ilegais que se destinavam ao Reino
Unido.
A ironia é que um dos grandes argumentos para o Brexit é diminuir o
numero de europeus e de imigrantes vivendo no Reino Unido...
3.
O Brexit tem dois argumentos populistas e conversadores: o que acabei
de citar (a diminuição de estrangeiros no país) e a economia de 325 milhões de
euros por semana, que é a quantia de dinheiro que, a cada sete dias, o Reino
Unido repassa para a UE.
Os dois argumentos são falaciosos. Isso porque, de acordo com dados do Office
for National Statistics (ONS)
– o IBGE deles – há, entre os 63 milhões de habitantes do Reino Unido, 3 milhões
de pessoas vindas de outros países da UE e 5 milhões de estrangeiros
provenientes de outras nações. Não há como esses 3 milhões de europeus
comprometerem o sistema previdenciário do país (alegação central do Brexit),
mesmo porque 78% deles têm emprego – contra 74% dos cidadãos britânicos – e porque
apenas 2,2% deles recebem seguro desemprego – contra, por exemplo, 7,7% das pessoas
vindas do resto do mundo, que vão continuar existindo com ou sem Brexit.
Em relação aos 325 milhões de euros, o problema é que isso retorna para
o Reino Unido em termos de políticas de proteção social de alto impacto, que
vão da segurança alimentar ao programa aeroespacial europeu. É muito dinheiro
apenas quando não se leva em conta esse ganho.
4.
Um efeito importante do Brexit se dá na correlação de forças entre os
blocos políticos da UE. O “bloco liberal”, que era formado pela Grã-Bretanha,
Holanda e República Tcheca, passa de 25% a 15% da população do continente, e
isso prejudica indiretamente a Alemanha, que, embora não faça parte desse bloco
se unia a ele com frequência para vetar decisões socialistas. Nessa situação, o
diálogo França / Alemanha ganha contornos dramáticos, porque a Grã-Bretanha
servia de contrapeso hora aos interesses de um ou de outro, conforme a questão. Sem ela, mudam
as estratégias políticas e diplomáticas dos dois “grandes”.
5.
Quanto às conseqüências do Brexit para a vida quotidiana e para as
finanças pessoais das pessoas, devem se produzir cenários de majoração no custo
de vida. Para o homem comum europeu a consequência imediata é que os produtos
britânicos se tornarão caros, porque serão tarifados à alta. O mesmo para o
cidadão britânico.
A London School of Economics produziu alguns dados que indicam essa
situação: se a saída da UE se faz com amplas negociações e a construção de
acordos bilaterais – a melhor das hipóteses – a renda per capta do Reino Unido
cairá 1,3%. No cenário pessimista – se não se fazem os acordos bilaterais – a
renda per capta cairá para 2,6%.
Também deve rolar uma perda do poder de compra da libra esterlina. A
LSofE estima que os 10% mais pobres perderão entre 1,7% e 3,6% de
seu poder de compra no curto prazo e entre 5,7% e 12,5% no longo
prazo. Para os 10% mais ricos essa perda pode chegar a 3,9% a curto prazo e a 13,4%
a longo prazo.
O custo dos transportes devem subir até 7,5%, da alimentação até 5% e
do vestuário até 4%. E tudo isso deverá produzir novos impactos negativos sobre
a economia do pais: dos mercados financeiros à indústria.
6.
Com o Brexit todos perdem.
Mas a racionalidade não explica o jogo político. Nem aqui no Brasil e nem por
lá. Por lá, o Brexit se faz por causa da ideologia populista e nacionalista da
direita irracional. Por aqui, o golpe e o desmonte do estado social que vinha
sendo construído pelo PT também se faz com ideologia populista e com
irracionalidade – mas sem nacionalismos...
Fábio Fonseca de Castro
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