E como continuamos tratando de #OcupaTudo, #OcupaUFPA e #ForaTemer, reproduzo minha resposta, no Facebook, a um aluno que questionava as "perdas pessoais" que uma greve lhe traria:
Toda greve é necessariamente incômoda, senão não alcançaria seus objetivos. Ser incômoda é a essência de uma greve, é a sua natureza. O problema é que, às vezes, esses incômodos não permitem que nós vejamos os resultados que elas trazem. Acho muito importante, diante dessas situações, fazer um exercício de transcendência, com dois movimentos, que é o seguinte: Movimento 1) pensar historicamente, procurando ver o que as greves e lutas sociais do passado trouxeram para mim, hoje, que eu não estou percebendo e Movimento 2) pensar sociologicamente, procurando ver o que as greves e lutas sociais, do presente, podem trazer para mim mesmo e para outras pessoas.
Gostaria de lhe dar dois elementos que podem ajudar a fazer esse Movimento 1: O primeiro é que você tem acesso ao RU (Restaurante Universitário), não tem? Pois é. Quando eu era estudante, nesta mesma universidade na qual hoje sou seu orientador de mestrado, eu não tinha. E, naquele tempo, nós fizemos greve e lutamos, durante muito tempo pelo RU que vc tem agora. Por causa disso, se não me engano em 1988, inclusive invadimos e ocupamos a Reitoria.
Outro exemplo: como estudante você tem direito a meia-passagem nos ônibus e a meio-ingresso em eventos culturais, não tem? Pois é. Mais uma vez eu, como estudante, não tinha nada disso. Nunca tive. Mas fizemos greve e lutamos por isso. Aliás, neste último caso, foi uma luta mesmo, invadindo ônibus, furando pneu e desviando rotas. E hoje você tem o seu direito à meia-passagem e à meia-entrada.
Junto com isso poderia citar inúmeras coisas que afetam a sua qualidade de vida e as suas condições de educação: qualidade das aulas, salários dos professores, residência estudantil, serviços médicos, equipamentos e laboratórios, concursos públicos, transparência e muito, muito respeito.
Pode ser que você não saiba, mas nada disso foi sem luta. Se você perceber isso, se fizer esse movimento de transcendência e compreender que nada do que você tem, na universidade, foi lhe dado pelo bom senso ou pela simples generosidade dos gestores mas sim reivindicado e conquistado com diálogo permanente e, eventualmente, com lutas e greves, você, talvez, compreenda melhor a importância do que está acontecendo agora.
Quando fizer isso, você também estará fazendo o Movimento 2 que eu falei acima, um exercício sociológico de pensar que você (ou seus interesses) não estão sós no mundo e que é uma coisa normal e importante lutar pelos seus direitos coletivos e pelos direitos "dos outros", aqueles que, mesmo eventualmente nem beneficiando diretamente a você próprio, irão beneficiar o conjunto das pessoas que estão no mundo ao seu lado e, certamente, seus filhos e netos.
Olha, lhe confesso uma coisa (lhe confesso, no Facebook é quase piada, não é?): quando eu era estudante aqui na UFPA tinha condições econômicas muito favoráveis e não precisava, de fato, nem do RU e nem da meia-passagem, mas isso não me impediu de lutar por essas coisas junto com meus colegas. Para estar com eles e compreender a importância dessas coisas para eles foi fundamental fazer esse exercício de abstração da minha própria condição, de meu próprio interesse, e me colocar junto com os outros.
Hoje, como professor desta universidade, continuo achando muito importante fazer esses exercícios de transcendência e me colocar no lugar do aluno, dos técnicos, dos outros professores e, sobretudo, de me colocar no lugar da maioria da sociedade brasileira, que, podendo até ser a favor da PEC-55, podendo até ser contra a ocupação das escolas e universidades, podendo até achar que professor não trabalha e quer fazer greve para ter folga, podendo até acreditar no que a Rede Globo diz, podendo até não saber que os têm, têm direitos sim.
Compreendo antropologicamente as suas razões e as razões colocadas pelas pessoas que, neste processo, expressam opiniões semelhantes (esse é o Movimento de transcendência 3, depois falamos dele), mas como você puxou o assunto, estou colocando aqui o que penso sobre ele.
De resto, jamais se preocupe se suas opiniões podem ou não atrapalhar o processo de orientação em curso no mestrado, porque, havendo respeito, sei aceitar e sei conviver muito bem com as diferenças.
Abraço, Fabio.
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