Estou de volta; outra vez.
As vezes tenho impressão de que mais
estou de volta do que estou, realmente. Parece uma condição e uma sina: estar
de volta o tempo todo. Como se a vida quotidiana só tivesse sentido na sua
condição de vir-a-ser – condição prolixa e algumas vezes triste (embora não
para mim, imagino), mas efetiva.
Seis meses fora, desta vez. Seis
meses entre Londres e Cambridge. Mil e trezentas e vinte e oito histórias a
contar (catalogadas nos meus diários); mas não agora.
Se disser que mudei profundamente
não será verdade, mas há quem queira acreditar. Alguns me acharam magro e
outros puderem perceber que perdi cabelos brancos. Não admira: seis meses longe
da coordenação do Ppgcom favorecem muito a beleza de um cristão... – embora
isto não queria dizer que o pobre Ppgcom seja lá um desafio desatinado...
É que a vida da gente é para o que a
gente é; e eu o que sou não é, exatamente, para o que me querem...
E com isso disse muito: retornei
mais magro, com cabelos menos brancos e falando inglês. Uau! O que podem querer
de mais? De bom tamanho já não está? Pois é: não é?
E olha que ainda não sabem de tudo o
que vi, que fiz e que percebi - e isto são coisas a contar um dia.
O que tenho a dizer, realmente, é
que estou por aí – o que quer dizer por aqui.
Como havia dito (em escritos
pretéritos), antes do carnaval chegar. Não pelo carnaval, propriamente. Mas por
ser a hora programada. Ainda cumpro compromissos num Brasil que os esquece. E
ainda tenho horas marcadas.
Além disso, é mister saber que estou
de volta e mais ou menos ok.
Com efeito, tenho exercitado, ainda
que meio fingidamente, um certo ar ok.
Bom, na verdade, para alguns
parentes e amigos tenho encenado que voltar é problemático. Cresci numa cultura
que tende a pensar mal de Belém e me adéquo à geral expectativa alheia de que
voltar a Belém será sempre um drama.
Nem é – embora não deixe de o ser.
Até que estou bem contente, porque
estar na minha casa, com meus livros, meus bichos, minha cama e meus armários,
é sempre muito bom.
Mas
também estou triste, porque tem
coisas que ficam para trás, como meu bairro em Londres, com seu
cemitério
gótico; como meu departamento de sociologia em Cambridge, minha
biblioteca-absolutamente-incrível-pois-eu-nunca-tinha-encontrado-outra-igual...
Tem as pessoas queridas que lá
ficaram e a alegria contagiante do meu pub preferido, o Mason’s Arms, a três
passos de casa.
Mas deixa para lá... um dia, até, eu
conto... ou volto, nunca se sabe, não é?
Retornar é difícil pelo que se deixa
e pelo que não se encontrou e retornar é difícil pelo que não se reencontra.
- mas eu, meio abestado e meio bobo,
o que eu tudo-encontro é o que não tinha visto antes, ainda que antes-tudo
estivesse bem aposto à frente de meu nariz.
Deixando, mesmo, para lá, devo dizer
que sou mais ou menos bom em chegadas, partidas e retornos.
Já aconteceram algumas vezes. Todas
carregadas de tensão, de línguas a aprender, rostos novos e velhos e bagagem
meio maluca.
O problema resta o retorno. O
retorno é sempre a parte mais tensa. Sempre tenho a sensação de que não saberei
explicar sobre alguma coisa na alfândega. De que não saberei mais falar a
língua pátria e de que não conseguirei conter alguma coisa: ou o riso ou a
ironia ou o sarcasmo ou a náusea ou o sono.
Relativamente sem problemas, ao contrário,
são as partidas. É sempre bom se ir e conhecer o novo. A confusão eterna de
encontrar onde se vai morar, escola de filhos, farmacêutico de confiança e
canal de televisão favorito...
Pois é. Quando fui, há seis meses,
deixei dito por aqui que ia voltar antes do carnaval chegar, se o golpe
permitisse. Aliás, prometi outras coisas. Prometi que ia contar minhas
aventuras e publicar um pouco dos meus diários – e não fiz nada disso. Falta de
tempo, excesso de pudor. E também desconfiança do “face”. Os tempos são de
desconfiança. Tanta gente estranha, tanta falsidade no ar...
Mas o que importa é que cheguei e
que estou, como sempre, disponível. Quer dizer, não tanto para essa gente
escrota que anda por aí, com cara de empada. Mas para vocês, certamente.
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