Hoje é dia de São João Batista, Xangô na Umbanda,
Senhor do Carma e da Justiça Divina. Uma amiga me mandou hoje cedo essa
mensagem, acompanhada da linda interpretação de Maria Bethânia, que também
compartilho. Muitos amigos têm me telefonado e enviado mensagens bonitas, nos últimos
dias. Mensagens que falam sobre política, sobre justiça e sobre verdade.
Hoje é domingo e tive hoje minha primeira aula de
pandeiro. Aos 50 anos decidi aprender a tocar pandeiro e estou muito contente com
essa decisão. Hoje é domingo e estou igualmente contente com o fato de que é
domingo, dia santo e, espero, dia de pandeiro, muitos amigos e coisas do bem.
Meu médico me mandou fazer pilates, mas eu decidi aprender a tocar pandeiro. E é
por estar muito contente, se possível tendo a bênção de São João Batista e toda
a força de Xangô, que gostaria de falar, muito brevemente, sobre política,
justiça e verdade.
Vivemos em tempos muito estranhos. Tempos de subversão
da política; de subversão da política às aparências, de subversão do debate à
retórica e, de subversão da análise, da ponderação e da inteligência aos afetos
e aos comprometimentos corporativistas. Tempo de manipulação e de sofismas.
Um tempo de subversão, também, da justiça. De subversão
da justiça à rapidez dos julgamentos morais que não apuram as circunstâncias e
nem ouvem as partes envolvidas. De subversão da justiça aos interesses de
classe e de grupo. De subversão da precisão e da equidade ao normativismo, à
coação e aos fundamentalismos de toda ordem.
E tempo de subversão da verdade: época de pós-verdades,
fake-news e de fatos alternativos. Tempo de colonização, pelo campo da mídia
oportunista, dos demais campos da vida social, inclusive dos espaços da ciência.
De subversão da tolerância ao ódio desatinado e dos fatos às narrativas.
Pensando sobre essas coisas, gostaria de partilhar com
vocês um aforismo de Nietzsche que me inspira e que me ajuda a compreender o
que são a política, a justiça e a verdade em nossos dias. É um fragmento escrito
em 1882 e que tem um tom profético. Nietzsche diz o seguinte: “graças à
liberdade de comunicação, grupos de pessoas de mesma natureza poderão se reunir
e fundar comunidades e, assim, as nações (o Estado) estarão ultrapassadas”.
Penso que esse aforismo deve ser compreendido à luz de
um conjunto de ideias paralelas desse filósofo que sugerem que o desejo de
conhecer vem, fundamentalmente, do medo do desconhecido e à consequente busca,
natural na espécie humana, que colocar o desconhecido num dado campo de
familiaridade. De reduzir o mundo a uma dada aparência confortável. Desse
conjunto de ideias também faz parte a proposição de que a linguagem (a comunicação)
é, antes, um meio de redução do mundo à uma sensação de familiaridade.
Uma das grandes teses de Nietzsche, se eu não o
compreendo errado, é a de que nós nos separamos do mundo em razão dos próprios
meios que nos demos para conhecê-lo, como a linguagem, como a comunicação e
como a falsa e repentina ideia de comunidade.
Para mim, essa é uma tese política. Umas das
principais teses políticas da filosofia, infelizmente mal conhecida da ciência
política. Digo-o porque a redução da política ao familiarismo (não
necessariamente ao familismo) propiciado pelas enganosas tecnologias têm o
poder de destruir o Estado (e, com ele, a política, a justiça e a verdade).
Nietzsche era um tecnófobo. Era um homem que amava a
lentidão. Que amava a possibilidade de conhecer o mundo duvidando das suas aparências.
Hoje é domingo e tenho vontade de ir à janela berrar
Lula Livre! Percebo que minha contumaz timidez me impedirá. Mas talvez que não.
Afinal, hoje é domingo, e 24 de junho, dia de São João Batista e de Xangô.
Domingo, como dizia, no
qual tive minha primeira aula de pandeiro - que me deixa não apenas feliz, mas
igualmente vaidoso - pelo fato de avançar em direção ao desconhecido. Pleno de
espírito, de dignidade e de coragem. Se possível com a bênção de meu São João
Batista e com toda a inspiração de meu pai Xangô.
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