Passei as
últimas três semanas fazendo pesquisas qualitativas, com grupos focais, sobre a
cena política em curso. 236 pessoas entrevistadas, uma parte significativa delas com voto declarado em Bolsonaro (doravante #EleNão!). Nunca foi tão difícil manter a imparcialidade demandada
por esse tipo de pesquisa. No contexto de uma sociedade que tem pelo menos um quarto de
seus eleitores tensionados a votar em #EleNão!,
compreendi algumas de suas motivações e convivi com o irracionalismo de seus
argumentos. Gostaria de partilhar com vocês algumas ideias sobre isso e, a
eles, a esses eleitores de #EleNão!, gostaria de dar alguns conselhos.
(A eles,
efetivamente, eu gostaria de dizer, aqui, o que não pude dizer durante nossas
longas conversas e embora saiba que provavelmente este texto não chegará a
eles, fica aqui para ser lido por seus congêneres).
Do conjunto
dessas pesquisas, saio convencido de que há três padrões de voto em #EleNão!:
primeiro, o dos puramente fascistas, que, como seu candidato, defendem um
fundamentalismo de direita, cheios de ódio e de ressentimento; segundo, o dos
anti-petistas, igualmente cheios de ódio e ressentimento, mas também de
frustração, que refluem em direção a #EleNão! diante da implosão da direita
brasileira, que não conseguiu construir um projeto credível e que chega a estas
eleições muito mais destruída pelo golpe que eles mesmo deram, do que as
esquerdas; terceiro, o de uma massa de revoltados com a política, não
necessariamente eleitores habituais do campo da direita, mas que adotam o
receituário dos fascistas porque se sentem desiludidos e inseguros. A revolta
deste terceiro grupo de eleitores poderia ter sido redirecionada para um voto
de esquerda, no contexto de uma sociedade com uma mídia mais equilibrada e uma justiça menos partidarizada.
Infelizmente
o contexto não é esse, e a massa do voto desiludido e com medo do futuro (o terceiro grupo) se
amalgama à massa do voto fascista (o primeiro grupo), cheio de ódio, ressentimento e frustração (o primeiro e o segundo grupo).
É esse voto
que vai às urnas contra o projeto de um Brasil inclusivo e democrático que,
mesmo com evidentes falhas, constituiu e constitui o projeto do PT.
Eu não teria
nada a dizer ao eleitor puramente fascista, ao bolsonarista-raiz. Não creio que
haja condições de diálogo com um indivíduo que acredita que tudo se resolve com
a força e a violência, e que pretende a destruição de todos os mecanismos
democráticos da vida social.
Isto dito,
teria algumas coisas a dizer aos outros dois grupos de eleitores desse projeto
inconsequente.
À direita
frustrada, quero dizer que o irracionalismo de vocês beira o ridículo. O fato é
que o golpe que vocês deram (e foram vocês que o deram) acabou pior para vocês,
porque os partidos de vocês implodiram e vocês foram incapazes de apresentar
tanto um programa minimamente coerente como uma candidatura minimamente viável
para estas eleições. Desde a campanha de 2002, quando a campanha de José Serra
adotou uma postura irracionalista e pautada pelo ódio, vocês perderam todo o
possível fio narrativo de um projeto de Estado, ainda que de direita, ainda que
minimamente liberal, ainda que minimamente racional. Por isso, o que lança
vocês na campanha de #EleNão! é a própria decadência de uma ideia do que vocês
são (ou deveriam ser), é o ralo forte que está puxando vocês para um esgoto
para o qual vocês não gostariam de ir e nem precisariam ir. Sugiro que fujam
disso. Por duas razões: primeiramente, porque vocês têm vergonha de votar em #EleNão!.
Ele não é o que vocês imaginam de si mesmos. Além disso, porque é um jogo
arriscado, que torna muito difícil que vocês, depois de adotar os argumentos do
fascismo, possam ter moral para construir um projeto minimamente tolerável e,
eventualmente, em condições democráticas, voltar ao poder.
A propósito,
eu morava na França em 2002, quando o candidato socialista perdeu a vaga no
segundo turno para o líder fascista Jean-Marie Le Pen e, mesmo a contragosto,
mesmo com imensa dor, a esquerda votou em massa no candidato da direita, seu
oponente tradicional, Jacques Chirac. Lá, era admissível o voto no grande rival
para não permitir que a ultra-direita chegasse ao poder – isso porque a
ultra-direita, mais do que rival, era o inimigo básico, o mal em sua essência.
Pensem nisso. E votem Haddad. Houve um tempo em que a narrativa da dignidade e
da coerência mínima já significou algo e já lhes deu uma certa identidade.
Já ao bloco
dos revoltados com a política, sobretudo a essa massa jovem que vê Bolsonaro
como uma opção messiânica, como uma “última cartada”, queria dizer uma coisa
básica: que essa ideia que vocês têm de que é preciso radicalizar para “ver se
alguma coisa muda” é uma ideia infantil e arriscada. Arriscada, justamente,
porque é infantil. E vice-versa. Explico: na vida social nada muda por milagre.
Apostar todas as fichas e dar uma carta assinada em branco a alguém em troca de
uma promessa baseada no uso da força, esperando que a coisa dê certo “de
repente” é uma bobagem.
Sei que a
vida está foda, que vocês acham que a corrupção tira a chance de vocês, que
vocês têm a sensação de que não dá para controlar a política, mas, olhem, o
buraco é mais embaixo. Duvidem de toda solução fácil e, sobretudo, comecem a
duvidar do que a mídia apresenta a vocês como realidade.
Não sejam
inocentes, o futuro de vocês não vai melhorar por milagre. Saibam que a
democracia não é uma batalha perdida e que tudo só pode melhorar por meio da
participação de vocês na política, debatendo e fiscalizando, mas sobretudo
duvidando da aparência da verdade.
Querem um
conselho: votem no Haddad. Porque ele representa as melhores chances de futuro
para vocês. O programa do PT tem educação, emprego e proteção social. É um
programa para trabalhadores, que são, na verdade, o que vocês são, ainda que
não o saibam. Ah, e percebam, por favor, que as propostas de #EleNão! estão
centradas na aniquilação daquilo que vocês são, fundamentalmente: minorias. E,
talvez pior, na pura eliminação dos setores que #EleNão! reconhece como
“inimigos internos” dessas minorias, como mulheres feministas, negros, LGBTS,
quilombolas, índios. Não tenham ilusões. Vocês não se enquadram no modelo
fascista dos "cidadãos de bem".
Isto dito, caminhemos para o voto. Votar em #EleNão! é saltar no tempo para
trás, para o atraso, em direção a um Brasil pequeno, mesquinho, escravagista,
preconceituoso, colonizado e autoritário.
Fábio Fonseca de Castro
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