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Um logo inclusivo e republicano?

Os organizadores dos Jogos Olímpicos de Paris 2014 revelaram, na 2ª-feira passada, 21 de outubro, o logo do evento. Aliás, dos eventos, pois pela primeira vez os JO e o Jogos Paraolímpicos terão um mesmo logo. Por todo lado se fala dele – menos, é claro, onde as pessoas têm coisas muito importantes a tratar, como no Chile, na Bolívia, no Líbano e na faixa de 10 km além da fronteira turca, entrando pela Síria.
Não estou aqui para dizer o que acho do logo – mesmo porque eu não acho nada e nem me sinto responsável por emitir opinião sobre os JO, além do que também eu tenho certos assuntos importantes a tratar – mas acho muito interessante a efervescência, o debate, em torno desse logo.
Leio que o ícone foi criado pela agência Royalties-Ecobranding e, teoricamente, representa uma medalha de ouro sobre a qual ondula uma chama branca – dois símbolos olímpicos maiores – que se confundem com um rosto humano: o de uma mulher, alegadamente Marianne, a revolucionária de 1789, alegoria da república francesa.
Pretende-se, supostamente, transmitir uma ideia de inclusão republicana.
Porém, independentemente das explicações oferecidas, sempre abundantes quando se deseja explicar um logo – o que, por si só comprova que uma imagem demanda mais de mil palavras – o debate sobre a pertinência do ícone escolhido sugere que há coisas que incomodam. 
Pessoalmente, vejo uma mulher dos anos 1920, meio Channel, meio “melindrosa”. Precisamente, uma parisienne BoBo (ou seja, uma parisiense bon chic, bon genre, expressão usada para designar pessoa moderna, esnobe e um pouco fora de contexto).
Aliás essa ambiência anos 20 também é sugerida pela tipografia Art déco que grafa, logo abaixo, “Paris 2024”. E é claro que isso não vai à toa: trata-se de assinalar que Paris também sediou os Jogos Olímpicos de 1924 – aliás, os primeiros em que se utilizou um logo representando-os.
Vejo mais uma BoBo performática de que uma atleta de alta performance e, por essa via, não sei se a ideia de ideia de inclusão republicana que se pretendeu transmitir foi alcançada, posto que realça o estereótipo de uma certa feminilidade que se produz mais como padrão de que como inclusão ou de que referência ao lugar conquistado pelas mulheres no esporte, em geral, e nos JO, em particular.
Evidentemente que sabemos que a garçonne (melindrosa) dos anos 1920 constituiu um avatar da luta feminista, em função de suas inúmeras conquistas sociais, notadamente em função de sua alegórica e provocativa  fusão de gêneros, mas nada disso é sem contradições – de resto apontadas pelos sentidos contemporâneos das palavras inclusão, República e gênero.
Será que essa evocação nostálgica dos JO de 1924 não representa, também, a evocação nostálgica e machista desse outro padrão, excludente, de feminilidade? Será que essa evocação de JO de cem anos antes, por si mesma, não significa uma evocação nostálgica e passadista de uma França nem tão republicana assim? Seria mesmo Marianne por trás da figura feminina no logo?

Fábio Fonseca de Castro

Comentários

Anônimo disse…
além do que também eu tenho certos assuntos importantes a tratar.... Fábio! Você é ótimo?

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