Igor e a metafísica temporal
Senhoras e Senhores,
Meu amigo Igor E. S. me ensina,
prestimoso e solidário como é, que o que importa não é o relógio, mas sim as
horas.
Igor não tem pressa. É o próprio
oposto do coelho de Lewis Carol, que obceca-se com o enfardo do compromissos.
Igor não enfarda, apesar de seus compromissos. O próprio oposto do tempo
moderno, o próprio oposto do oposto.
Digo-o porque Igor sabe de estar.
Estar e ficar. Ficar e conversar. Conversar e continuar. Sem presa do tempo,
sem nenhuma adoração por relógios, esses objetos em forma de Deus que produzem
a pior das metafísicas: a metafísica que submete a vida às interposições do
tempo.
Essa importante lição a respeito das
horas a utilizo quando espero, sentado ou em pé, no consultório ou na fila do
elevador. E também quando espero que o mundo aconteça, que os cães afobados se
acalmem, que passem os navios ao largo no porto de Santarém, que o Círio de Nazaré
regire em torno do próprio eixo, que o tempo chegue e volte, que o tempo onde
estava-se retorne e que, ainda assim, siga em frente.
Ou, ainda, quando espero que sejam
horas de meia-noite, aquando de um novo ano, cabendo perceber, com Igor, que
todas essas passagens de horas, a despeito dos relógios que as passam, são
movidas por um medo ancestral que os homens têm do tempo que passa.
Um medo que acusa as horas, mas nunca
os relógios.
E, sim, todo passar de horas,
ponderado por relógios, traduz esse medo metafísico, que é o medo que de que
não exista um futuro. Ou seja: de que os ciclos cessem, sem renovação. O
próprio medo que nos faz reverenciar os relógios, como se eles fossem objetos
dados a adorações festivas e que pontuam as passagens. O próprio medo associado
àquela ansiedade que perpassa as contagens regressivas do tempo, sobretudo na
noite de Ano Novo e nas competições. O pânico associado à crença – nunca dita –
de que se não comemorarmos como é esperado, se não comemorarmos a passagem dos
ciclos, o tempo poderá se interromper.
Trata-se de um dos grandes horrores
metafísicos da humanidade. De onde decorrem as abrasões falsamente festivas que
prestamos ao próprio tempo e, furtivamente, a nossa extravagante adoração aos
relógios. Toda crença no futuro, suponho, constitui, na verdade, um pânico
coletivo em relação à negatividade do tempo.
Sim, Senhoras, Senhores, Igor
demonstra que o importante são as horas, e não os relógios.
Essas ponderações, aliás, fazem com
que eu me lembre de um verso de Borges, Outras Inquisições: "Que razões há
para postular que já existe o futuro?"
Compreenderam? Por certo que todos
nós já estamos fatigados das metáforas sobre a temporalidade, mas a lição de
Igor a respeito da materialidade das horas efetiva que percebamos que são de
uma dada natureza as horas transportadas por relógios e, de outras, as horas
experimentadas por quem participa delas.
Fábio H-C.
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