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Palestras sobre os Amigos,n. 65: Igor e a metafísica temporal


Igor e a metafísica temporal
Senhoras e Senhores,
Meu amigo Igor E. S. me ensina, prestimoso e solidário como é, que o que importa não é o relógio, mas sim as horas.

Igor não tem pressa. É o próprio oposto do coelho de Lewis Carol, que obceca-se com o enfardo do compromissos. Igor não enfarda, apesar de seus compromissos. O próprio oposto do tempo moderno, o próprio oposto do oposto.

Digo-o porque Igor sabe de estar. Estar e ficar. Ficar e conversar. Conversar e continuar. Sem presa do tempo, sem nenhuma adoração por relógios, esses objetos em forma de Deus que produzem a pior das metafísicas: a metafísica que submete a vida às interposições do tempo.

Essa importante lição a respeito das horas a utilizo quando espero, sentado ou em pé, no consultório ou na fila do elevador. E também quando espero que o mundo aconteça, que os cães afobados se acalmem, que passem os navios ao largo no porto de Santarém, que o Círio de Nazaré regire em torno do próprio eixo, que o tempo chegue e volte, que o tempo onde estava-se retorne e que, ainda assim, siga em frente.

Ou, ainda, quando espero que sejam horas de meia-noite, aquando de um novo ano, cabendo perceber, com Igor, que todas essas passagens de horas, a despeito dos relógios que as passam, são movidas por um medo ancestral que os homens têm do tempo que passa.

Um medo que acusa as horas, mas nunca os relógios.

E, sim, todo passar de horas, ponderado por relógios, traduz esse medo metafísico, que é o medo que de que não exista um futuro. Ou seja: de que os ciclos cessem, sem renovação. O próprio medo que nos faz reverenciar os relógios, como se eles fossem objetos dados a adorações festivas e que pontuam as passagens. O próprio medo associado àquela ansiedade que perpassa as contagens regressivas do tempo, sobretudo na noite de Ano Novo e nas competições. O pânico associado à crença – nunca dita – de que se não comemorarmos como é esperado, se não comemorarmos a passagem dos ciclos, o tempo poderá se interromper.

Trata-se de um dos grandes horrores metafísicos da humanidade. De onde decorrem as abrasões falsamente festivas que prestamos ao próprio tempo e, furtivamente, a nossa extravagante adoração aos relógios. Toda crença no futuro, suponho, constitui, na verdade, um pânico coletivo em relação à negatividade do tempo.

Sim, Senhoras, Senhores, Igor demonstra que o importante são as horas, e não os relógios.

Essas ponderações, aliás, fazem com que eu me lembre de um verso de Borges, Outras Inquisições: "Que razões há para postular que já existe o futuro?"

Compreenderam? Por certo que todos nós já estamos fatigados das metáforas sobre a temporalidade, mas a lição de Igor a respeito da materialidade das horas efetiva que percebamos que são de uma dada natureza as horas transportadas por relógios e, de outras, as horas experimentadas por quem participa delas.

Fábio H-C.

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