Finalmente o PT decidiu apoiar o Fora Bolsonaro. Mas finalmente mesmo! Muitos estavam ficando com a sensação de que o PT estava cansado de fazer política. Ou melhor, que os dirigentes do partido haviam ficado cansados de fazer política. A justificativa de que o momento era de combater à pandemia, aprovada em resolução do Diretório Nacional do partido no último dia 9, foi aparentemente revertida, hoje, 23, com a deixa de Lula no Twitter, dizendo que “É preciso começar o ‘Fora, Bolsonaro’”
É difícil entender a prudência do PT. Há argumentos a seu favor, é verdade, mas creio que eles não se justificam realmente. Dentre o que se ouviu, posso anotar as percepções de que “lutar contra a pandemia tem que ser prioridade”, “a luta contra Bolsonaro não contaria com apoio das massas”, “o momento não é agora, é preciso aguardar uma correlação de forças mais favorável”, “confrontar Bolsonaro é fazer o jogo dele de dicotomização e de vitimização”, “não há um projeto claro nem de retirada e nem de substituição de Bolsonaro”.
São argumentos sérios, mas, penso, equivocados. O primeiro deles não se sustenta, simplesmente, porque a luta pela defesa da sociedade brasileira contra a pandemia não está isolada da luta contra o governo Bolsonaro – coisa que parece mais evidente a cada dia.
O segundo argumento – “a luta contra Bolsonaro não contaria com apoio das massas” – tem o problema estrutural do medo de fazer política. Ora, falar com as massas, fazer a disputa das narrativas, mobilizar é justamente o que precisa ser feito. Certo, há quem diga que a sociedade brasileira tenha receio, ou mesmo medo, das consequências econômicas e políticas de um novo impeachment, mas o fato é que a pandemia, o apagão de gestão e o vácuo de poder no Brasil de Bolsonaro levam a sociedade, naturalmente, a uma pragmática que todos conhecemos: o jogo do pior do que está não dá para ficar, e é bem aí que começa a ser formar o consenso de que o melhor, para todo mundo, é o impeachment.
O terceiro argumento - “o momento não é agora, é preciso aguardar uma correlação de forças mais favorável” – é outra manifestação desse medo de fazer política. O pior que já ouvi é a ideia de que, taticamente, é melhor esperar a situação piorar, para que o governo Bolsonaro fique ainda mais desgastado. Bom, eis aí o tipo de política que me parece inadmissível. Inclusive estrategicamente e inclusive taticamente, mas primeiro por uma questão ética: isso não se faz, pois estamos lidando com vida, dor, fome e medo. Retardar oportunisticamente a luta contra o essencial não é papel de um partido de esquerda.
Mas esse argumento também é péssimo a nível de estratégia e de tática partidária. Estrategicamente porque adiar um impeachment significa quebrar ainda mais o país. E taticamente porque, por um lado, se se faz uma coisa dessas vai produzir a impressão, justamente, de que o PT é um partido oportunista, que não disse a verdade quando deveria ter dito e porque, por outro lado, retardar a construção de um projeto de poder alternativo só diminui a possibilidade de efetivar esse projeto, quando houver possibilidade de fazê-lo.
O quarto argumento - “confrontar Bolsonaro é fazer o jogo dele de dicotomização e de vitimização”, tem a fragilidade de pressupor que quem está no poder domina, naturalmente, o jogo. Ora o papel das esquerdas é, justamente, denunciar essas práticas. Sim, sabemos que a polarização do debate e a disputa política aberta pode resultar num obscurecimento da crise na saúde e na economia, mas isso só ocorre enquanto a esquerda abdica de jogar ou aceita que o jogo é uma partida já perdida.
O quinto argumento - “não há um projeto claro nem de retirada e nem de substituição de Bolsonaro” também se funda numa percepção imprecisa da conjuntura. Não há projeto? Que se o faça! Não oferecer alternativa, furtar-se de ter uma posição firme, apenas permite que os agentes que possuem o poder falem sozinhos. Até se pode criticar a agenda do poder, mas quando não se oferece uma alternativa, um projeto alternativo, nunca se faz a disputa maior, que é a disputa correlata da agenda e do projeto.
Abdicar de dizer Fora Bolsonaro, de pedir o impeachment é se isolar na retaguarda do movimento político das esquerdas, sejam elas os demais partidos do campo, sejam os movimentos sociais, seja a própria sociedade em geral, que tem parcelas cada vez maiores gritando Fora Bolsonaro.
Todos esses argumentos se desfazem e a conjuntura é de plena luta política. Frentes políticas estão de formando: a frente de governadores do Nordeste, com seu incrível Consórcio, diferentes frentes de movimentos sociais e sindicatos, uma frente democrática que agrega um amplo espectro de partidos, da direita para a esquerda e uma frente de esquerda, justamente a que mais precisa do PT como elemento de força.
Em todas elas se grita “Fora Bolsonaro”. Sim há projetos divergentes nessas frentes e entre elas, mas esse grito produz uma convergência pragmática de ação. Por que o PT deveria, nesse contexto, ocupar uma posição de retaguarda? A chamada de Lula pelo Twitter, hoje, traz o partido para a vanguarda do processo. Espero que sigamos em frente.
Fábio Fonseca de Castro, professor da UFPA.
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