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Notas de conjuntura 3 de junho de 2020

Algumas notas de conjuntura política, feitas de um lugar de fala antifas, indignado com o anti-governo que está aí, desconfiado da ideia de “pactuação nacional” e esperando uma esquerda mais tática:

1 – Consolidou-se a convicção, no campo conservador brasileiro, aí incluídos o STF, o TSE, importante parte do empresariado e da mídia de que Bolsonaro é perigoso, incompetente, incorrigível e uma ameaça tanto para a economia e para a saúde pública como para o sistema político e para a segurança interna. Esses atores estão se movimentando na direção de uma cassação da chapa Bolsonaro/Mourão, com base nas apurações do inquérito das fake news. Esse processo coloca a direita liberal na vanguarda da luta política brasileira e pretende reduzir as forças políticas de esquerda a uma condição de “força auxiliar”na luta contra Bolsonaro. É preciso recuperar o protagonismo na luta política, e isso se faz por meio de dois movimentos : a) impondo uma agenda básica da esquerda a qualquer movimento de concertação e pactuação nacional ; b) denunciando a proximidade estrutural entre a direita fascista e a direita liberal, e responsabilizando a ambas pela crise econômica, sanitária e política vivenciada no país.

2 – Esse movimento da direita liberal provoca uma ruptura no campo conservador: liberais e fascistas, com todos os seus segmentos sociais de apoio, inclusive classes médias e trabalhadores por eles cooptados, tomam lados opostos e constroem uma nova ruptura na sociedade. Essa ruptura constitui um evento maior da cena política brasileira, porque a união desses dois campos foi o motor político do golpe de 2016 e da eleição de Bolsonaro. Essa ruptura do campo conservador deveria figurar como elemento central da tática política do campo das esquerdas, na conjuntura.

3 – A conjuntura nacional é marcada pelo quadro da pandemia associada à crise econômica que é, sobretudo, uma crise do emprego e da renda – apesar de ser apresentada, pela mídia hegemônica, como uma crise do sistema financeiro. Tudo indica o agravamento da situação nos próximos meses, em consequência do processo de encerramento do confinamento, imposto pelo governo Bolsonaro na sua barganha com os estados. A imensa subnotificação dissimula uma taxa de contágio que alguns prognósticos indicam ser até 15 vezes maior e, assim, a epidemia continua em expansão. Outro elemento tático central para as esquerdas seria a demonstração da relação entre a) o projeto liberal (que é o projeto dos fascistas e também da direita liberal); e b) a diminuição do Estado proposta por ambos e c) a dupla crise saúde/emprego que está destruindo o país. Em síntese: é preciso responsabilizar o governo Bolsonaro e o neoliberalismo pela crise sanitária e fazer disso o centro da luta política.

4 – Por outro lado, é igualmente central abordar a crise econômica como resultado das escolhas neoliberais. Os 5 milhões de postos de trabalho perdidos nos últimos dois meses, de acordo com dados apresentados pelo IBGE, bem como a ineficiência do governo Bolsonaro em implementar políticas de apoio às pequenas empresas e a escandalosa transferência de recursos para os grandes bancos constituem um nervo político exposto. É preciso que as esquerdas falem sobre isso. A mera comparação entre os recursos que o Governo Federal transferiu recentemente aos grandes bancos e os recursos transferidos aos trabalhadores por meio do auxílio emergencial – com todas as mazelas e humilhações impostas ao recebimento deste último – constituem um fato político considerável e ainda pouco explorado.

5 – A conjuntura internacional está sendo marcada pelos protestos nos Estados Unidos e na Europa contra o racismo. Esses protestos são catalizados, no contexto da pandemia e da crise econômica agravada por ela por um sentimento geral, universal, de desejo de reorganização do Estado, de maior presença dele na vida social. Junto com isso, percebe-se uma recolocação da ideia de solidariedade, sentimento oposto a tudo o que o governo Bolsonaro representa. O assassinato de George Floyd por policiais truculentos e boçais é altamente representativo de uma violência social que também ocorre no Brasil. Cabe às esquerdas estabelecer a relação entre esse caso e os inúmeros casos recentes de violência policial-miliciana e denunciar, por meio dessa relação o projeto fascista de Bolsonaro e o papel das direitas liberais na preservação do racismo estrutural-histórico brasileiro.

6 – A possibilidade de um golpe, militar, miliciano ou militar-miliciano resta plausível e imediata, e é preciso não perdê-la de vista. Os fascistas procuram criar um clima de terror e de ameaça golpista com o objetivo de intimidar as forças que podem defender a democracia. Provavelmente ousariam um golpe, mas não se sabe se teriam apoio e sustentação para ele. De todo modo, demonstram estar construindo uma legitimação legal para ele. Buscam uma reinterpretação do artigo 142 da Constituição, atribuindo às Forças Armadas um papel “moderador”, ao comando do poder executivo, para preservação da ordem social e política e tentam, em paralelo, criminalizar as manifestações antifascistas.

7 – O “fator militar” no desdobramento da conjuntura, precisa se acompanhado de perto. O papel das Forças Armadas é imprevisível, considerando o comprometimento delas com o governo Bolsonaro. Seria possível recuar desse comprometimento depois do imenso desgaste e a aura de incompetência que o apoio ao bolsonarismo lançou sobre a instituição? Restaria algum elemento racional, nas Forças Armadas, capaz de romper com o bolsonarismo? Por outro lado, é preciso considerar a possibilidade de que, havendo um golpe militar clássico ele seja dado contra Bolsonaro, mas não a favor da democracia. Em síntese, é um elemento de incógnita e imprevisível, cabendo às forças políticas de esquerda denunciarem permanentemente o risco da militarização do poder como a maior das ameaças às instituições republicanas e constitucionais.

8 – Por outro lado, também é preciso considerar o papel das milícias armadas e das Polícias Militares estudais no desdobramento da conjuntura. Se as Forças Armadas restam ambíguas em relação ao golpismo bolsonarista, as milícias o apoiam francamente e as polícias estaduais demonstram um percurso assustador de milicianização. Essa situação é, talvez, a mais perigosa para a segurança nacional e por isso é preciso denunciá-la. Os protestos contra a violência policial e o preconceito racial, nos Estados Unidos e Europa, ajudam a evidenciar a problemática da violência das polícias, desde que associados à situação brasileira. Trata-se, assim, de outra disputa política a ser desenvolvida.

9 – A conjuntura demonstra um processo de aglutinação das forças políticas e sociais em torno da defesa da democracia. A liderança desse processo, até o momento, está nas mãos da direita liberal. Os manifestos surgidos no último fim de semana o demonstram: foram articulados pelas direitas liberais – conservadoras e golpistas – e têm a estratégia básica de atrair o campo da esquerda para engrossar seu movimento. A rigor, seu projeto é similar ao que fizeram em 2016 quando depuseram Dilma Rousseff: depor agora Bolsonaro e tentar novamente a chance de reconquistar o poder.

10 – O mantra da direita liberal é a defesa de uma pretensa “normalidade democrática”, em geral associada a uma vaga “responsabilidade econômica”. Sabemos o que isso quer dizer: a legitimação do golpe de 2016 e a preservação da pactuação ideológico-conservadora das elites brasileiras. Isso significa neoliberalismo, racismo estrutural, exclusão social, entrega das riquezas nacionais, financismo, etc. As esquerdas não podem cair nessa história, porque o que as direitas liberais desejam é, simplesmente, reduzi-las ao papel de “força auxiliar”de seu projeto de poder. Aderir a esses manifestos, particularmente ao “Juntos”,  significar subjugar os compromissos da esquerda ao projeto da direita liberal. Isso não quer dizer que as esquerdas não devam buscar compromissos entre classes e estamentos em busca de uma concertação nacional anti-fascista, mas, simplesmente, que precisa exigir que seus compromissos centrais também estejam na base dessa concertação.

Fábio Fonseca de Castro, professor da UFPA.

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