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Meu avô e eu, em frente ao hotel Chapéu Virado, Mosqueiro. Foto de Braz da Rocha, 1974.
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Jamais poderei esquecer daquele início de noite, nos fundos da boate Matapi, bairro do Ariramba, em Mosqueiro, anos 70, quando, durante a pipoca dançante que tinha lugar no final das tardes de domingo, uma moça que, em minha compreensão era linda, três, quatro ou cinco anos mais velha do que eu e muito atirada, me disse,
“Então, tu que és o neto do comandante, não és?”
“Sou”, respondi, acanhado, sem saber porque é que aquela moça sismara comigo e me puxara até as encostas da festa, rente ao matagal que dava para trás do Matapi e de frente para o terreno dos Souza Franco, ali onde tudo era escuro e ninguém nos via.
“Se tu quiseres eu te mostro meus peitos, mas não podes pegar, só olhar, viste?”
“Vi!”, respondi, coração batendo, respiração acelerada.
“Viste ou não viste?”, ela perguntou, meio brava, como se não tivesse ouvido minha resposta.
“Vi!”.
Aceitei a extremada oferta e a moça baixou, repentinamente, o bustiê – termo da época, creio que ninguém mais o emprega, nem o utiliza – revelando a mim, com extremada generosidade, seus magníficos seios.
Seus magníficos seios, repito, caso não tenham, igualmente, me ouvido.
Um, dois, três segundos.
E a moça recolocou o bustiê, ajeitando neles seus seios e sorriu para mim com uma ternura inusitada, para sumir-se para todo o sempre da pipoca dançante da boate Matapi, do bairro do Ariramba, da ilha do Mosqueiro.
Para sumir-se por toda a eternidade.
Nunca mais a vi – senão em pensamentos.
Porém, aturdido, cambaleei de volta ao baile, extasiado duplamente: em primeiro lugar com a visão que me fora, gratuita, repentina e inexplicavelmente, oferecida; e, em segundo lugar com o improvável benefício oferecido pela condição de ser o neto do comandante.
Sim, meu avô José era uma figura ímpar, respeitada e amada por muitos que navegavam de uma cidade a outra do Grão-Pará. Generoso, belo, com estranhos olhos cinzentos que, de noite, misteriosamente, se tornavam verdes, com sua capacidade invulgar de contar casos e histórias, com sua memória prodigiosa, com sua disposição incomparável para ajudar as pessoas e, sobretudo, com seu conhecimento invulgar dos caminhos fluviais da Amazônia, meu avô era um personagem muito respeitado e muito amado em diferentes lugares.
Era o terceiro “comte. Hosannah”. O primeiro fora seu bisavô, José Hosannah Calandrini da Fonseca e o segundo, o seu pai, Hosannah Calandrini Barbosa da Fonseca, mas entre eles, havia uma multidão de tios bisavós, tios-avós, primos e irmãos comandante fluviais, de curto e longo curso. E isso com a respeitabilidade que a família Fonseca Zuzarte mantinha desde seus tempos em Mazagão, África, quando eram encarregados da navegação entre essa perigosa colônia e a metropole.
Desde sempre eu sentia certo orgulho em ser o neto do comte Hosannah da Fonseca, mas devo confessar que, depois que aquela moça, apenas por esse fato, decidiu me mostrar seus seios, começei pressentir que se tratava de uma condição realmente, realmente, especial.
Sobretudo no Mosqueiro.
Mais do que qualquer doutorado, honra, glória, medalha, afeto ou caldo, o título de neto do comandante Hosannah da Fonseca me dignificou, emocionou e acalentou.
Com meu avô, comandante do Presidente Vargas, seguimos juntos, sempre, por Mosqueiro e com Mosqueiro, em seus 125 anos.
Comentários:
Que lindo
no início da história te vi numa cena de Nelson Rodrigues, depois fluiu pra
Fabio Fonseca de Castro
mesmo. Adorei.
Eu ia para as festas do matapi anos depois
Saborosíssima história e totalmente inusitada por ter acontecido em Mosqueiro, naqueles idos. Passei a minha infância toda viajando no Presidente Vargas com toda a minha família para passar férias na ilha. Jamais podia imaginar que teu avô era comandante do navio. Que bacana!
Bela história Fabio, e muito bem escrita, um abraço.
Amei ,que emoção .Amava seu avô, meu tio amado. Andava com ele no Presidente Vargas dentro do camarote ele me apelidada de branca.Tinha orgulho desse tio... era um pessoa que dava atenção para todos os sobrinhos .Me emocionei,chorei agora muito emoção.
Sabe, tia, a vó Nida me disse, uma vez, que amava muito o marido dela porque ele amava a família dela... Cada passo de vocês, cada filho, neto, fotografia, aventura...cada telefonema recebido, ou dado...tudo era da conta dele, interessava a ele...
Essa de pagar peitinhos tenho uma história de garoto com uma vizinha casada. Gostava de cantar levantando a blusa (ou talvez o bustiê): "cara de palhaço, roupa de palhaço". E eu -não vou mentir- adorava!
KKKKK, vc entende das coisas...
Belas lembranças. Conheci o comandante Hosanah. Era uma pessoa muito interessante. Sentada no portinho do Lago Azul, eu gostava de ouvir suas estórias de viagem no comando do navio Presidente Vargas. Fábio, tuas memórias sempre me trazem boas recordações.
Professor, está na hora de produzir mais crônicas
Além da crônica perfeita, emoção também é lembrar do famoso Matapi.
Certamente. Rua Cavaleiro de Macedo no Ariramba.
Que foto! E esse food truck com a placa da coca cola atrás!
Meu Amado tio e padrinho
O amigo querido do também comandante, Juca...tão amigos que colocaram os nomes de suas filhas parecidos, agora estou , como que ouvindo meu avô contar histórias de cazuza ....
Fabio Fonseca de Castro
amigo, tivemos essas riquezas! E ficaram dentro de nós!
Nossas amizades herdadas, prolongadas, sempre renovadas, dos rios do Grão-Pará para os do planalto central e depois de retorno, sempre se reencontrando...
Bela história. Fe um tempo fmbwue se era reconhecido pela profissão.
Que delícia de história e texto, sempre. Esta foto mostra um garoto com porte de neto do comandante: cotovelo aberto, bico bem marcado no rosto... assumiu bem o papel.
Ah Erika querida, finalmente alguém disse o que eu sempre quis ouvir... Obrigado!!!
Que lindo, Fábio!
Para referir melhor a linda foto: foi feita pelo grande Braz da Rocha, decano dos fotógrafos paraenses... Colega de trabalho 15 anos mais tarde, quando andei por "A Província do Pará". O fundo, claro, é a praia do Chapéu Virado, vindo em direção ao ant…
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Também ressalto o detalhe de semelhança das sandálias, as "calígulas dos anos 70". Lembro que fiquei muito orgulhoso quando minha mãe comprou-me umas que eram iguais às de meu avô!
Rapaz, somos parentes: os Calandrini eram parentes do meu pai!
Somos!!! Calandrini é um dos nomes mais comuns do Marajó. Eles vêm de Sarzana, na Ligúria, Itália; fugidos de lá porque se reformaram, refugiados políticos em Genebra... ainda vou contar essa história...
Fabio Fonseca de Castro
meu avô paterno era fazendeiro no Marajó. Meu pai era marajoara. Um dos irmãos mais velhos, Callsbad, tinha os olhos cinza-esverdeados. Este tio, fez uma árvore genealógica da família. Tenho uma cópia, Se te interessar...
Marton Maues
super interessa, tenho vários dados genealogicos e históricos sobre familia Maués tb, que posso te repassar
Fábio, ler já é uma delícia.Agora, ao ler, já te imagino contando essa história, bem do jeitinho que dás sabor a cada palavra.
Bem, o avô, o comandante era um gato! Agora o DNA, extrapolou por todas as vertentes, o contador de história continua pres…
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Gato, né
Ana Maria Delgado
? É, é mesmo, ainda vou te mostrar umas outras fotos dele. Minha avó morria de ciúmes....
Que memória maravilhosa
Fabio Fonseca de Castro
me fez recordar as narrativas da minha familia a respeito do meu avô, o comandante Trindade, conhecedor de muitos rios da Amazônia. Não o conheci, pois ele morreu muito jovem. PS: Que pipoca dançante bacana!
Fábio, és um excelente contista. Uma história inusitada e maravilha de ler. E de fato, o neto tem porte de neto de comandante.
Que delicia ler esse texto e relembrar o Matapi.
Adoro essa memória narrativa. Há um trecho que a crônica tem o ritmo dA Passante de Baudelaire
Que Maravilha de relato sobre Mosqueiro
Rapaz... merece um vinho para falares mais
Vou contar do Farahzinhos e de quando meu avô prendeu eles com correntes - pelo bem de seu navio e do serviço público - e sob protestos dos pais e de toda "inteligência" politicamente correta da época...
Rosanna Fonseca
tio e primo amados demais .. mosqueiro nossas férias maravilha
Deliciosa leitura. Para quem conhece as referências locais, um passeio lítero-visual também...
Comandante Hosana!!!!!! Comandante do "Presidente Vargas", era uma "personalidade" em Soure....
Soure era o rumo mais desejado, onde tinha as amizades profundas. Cresci pensando em Soure como referência, porque meu avô amava Soure e dizia que queria morrer em Soure, perto de seus amigos, o que infelizmente não aconteceu...
Ahh os avós
Nossa! Muito bem escrito, vivo, comovente. Descrição realista de quilate. Parabéns!
Linda foto. Lindo texto!!! Gracias!!
Tio Casuza, teu avô, meu padrinho. Ser humano da melhor qualidade.
longeva Matapi... acho té que a gente s'esbarroulá
ah, mas eu tb tava no voley, kkkk, grandes tempos
Fabio Fonseca de Castro
, sim eu lembro , o Putty também jogava e depois foi meu professor na UFPA, aliás como você rsss, poxa, bons tempos mesmo.
Saudades desse tio
Intensa essa sua experiência... Amei meu amigo, amei.
Que história maravilhosa!
Que relato lindo ,Pai Cazuza era como eu o chamava !Adoro essas tuas memórias!Lembro muito das viagens pra Mosqueiro/Soure
Que história! Tinha q ocorrer na bucólica, onde mais? hehe. Mas olha o teu rosto , guardada as proporções do tempo, claro, é o mesmo. E fz teeeempo q não te vejo.! bjos querido !
Que lindo!!!
Bravo
Me fez lembrar o conto de Aníbal Machado que virou filme em 1964.: Viagem aos Seios de Duília. Conto genial e que ficou cravado como um punhal em minha memória. Não sei se já lestes... Bela história…
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Não conhecia, Paulo. Ouvi falar muito sobre o filme, mas nunca vi. E também não sabia que vinha de um conto do Aníbal Machado. Vou procurar com certeza. Forte abraço!!!
Mas teu avô não era o Sr. Cazuza???
Ocultar 13 respostas Foi por ele que minha mãe e tias vieram de Soure p Belém.
Fabio Fonseca de Castro Tenho fotos dele com a mamãe
Era a formatura de minha mãe em Contabilidade.
Fabio Fonseca de Castro
no MRE nos anos 80 conheci o embaixador Eduardo Moreira Hosana, seria seu parente? Ele encarregou-me de providenciar uma "porta marajoara" para o Parque Brasil em Bogotá,,, foi um odisseia, felizmente, com final feliz.
O Eduardo era primo do meu avô
Fabio Fonseca de Castro
na casa do barão, muitos temiam o Embaixador Hosanna, chefe do departamento de administração; que exclamavam "Hosanna nas alturas"... Quando fui chamado a sua presença fui pensando que poderia ser... Havia um problema itamaratya…
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ahahaha, conheço por alto essa história ! Bom ouvi-la de novo.
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