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A adesão do Pará à metafísica brasileira

Uma palavra breve sobre o feriado de hoje, referente à “adesão do Grão-Pará” à independência do Brasil: não foi “adesão”, foi “anexação”. Para mim, isso é um fato elementar – cabendo sobrepor a ele seu contexto histórico: a necessidade, no debate político local, naquele momento, de encontrar alternativas viáveis para a decepção geral com o “constitucionalismo” português. As alternativas vagavam entre ser uma província portuguesa com o status colonial renovado; ser uma província do Império brasileiro, com o status colonial igualmente renovado e, eventualmente, conformar um Estado. Para esta última hipótese faltou uma camada intelectual resiliente – tal como houve na Nova Granada, no Peru, no Brasil e em outros rincões do mundo colonial ibérico. Para as duas primeiras alternativas houve, efetivamente, resiliência intelectual e a escolha por se tornar província imperial pareceu o mal menor.

Não advogo nacionalidades e não me reconheço, sinceramente, nem como “brasileiro” e nem como “paraense”, ou “amazônida”. Essas coisas são identidades conveniadas, convencionais, “aderidas” (para manter o mote do feriado). Não percorro esse caminho da racionalidade centrada no Estado-nação. Creio mesmo que lutas nacionalistas dissimulam as verdadeiras lutas sociais e democráticas, que são as verdadeiras lutas que precisam ser feitas.

Não obstante, creio que devesse haver algum debate maior sobre o sentido do federalismo, da dimensão do Estado e da estrutura constitucional na gestão territorial e social.

Parece evidente, nesse sentido, a atitude colonialista e apropriativa do Estado brasileiro, numa perspectiva histórica, sobre o antigo Grão-Pará, que hoje chamamos de Amazônia (coisa que, aliás, é um sintoma desse processo colonial). Pertencendo a esse lugar, esse processo me parece evidente e, realmente, espúrio.

Em vistas do que, o debate precisa ser feito.

Penso que esse debate devesse passar, necessariamente, em primeiro lugar, pela desconstrução dos mitos identitários e nacionalistas. Inclusive para evitar uma patética “guerra de identidades” e de “pertencimentos”. Isso significa desconstruir as ideologias modernas de “pátria”, “povo” e “cultura”. São termos apropriativos que tendem a excluir pessoas e experiências. A política não precisa deles e nem precisa passar por eles.

Em segundo lugar, é preciso desconstruir a ideia de “região”, ou melhor, de “Amazônia” como “região”. Quem fala de “região” implicitamente está falando sobre a parte de um todo, numa atitude de autocolonialidade que, simplesmente, reforça o paradigma da dominação.

Em terceiro lugar é preciso democratizar as ideias de “cultura” e de “identidade”. Essas palavras poderiam ser libertárias e inclusivas, mas seu uso convencional ainda se produz dentro do espectro de um pensamento apropriativo e conservador, marcado por demarcar diferenças e não por aceitar a elementar alteridade da vida social, sobre a qual se assenta, inclusive, nossa base genética.

Mas isso são apenas pressupostos sobre a possibilidade de um debate que (ainda) não existe. Tal como há 197 anos atrás, continuamos sem debate real. Prossegue a metafísica moderna, que justifica o ser como o sujeito de um conceito – e o conceito como o ser de um sujeito...

Reproduzem-se as alternativas de sempre, com a mesma metafísica: nacionalidade, identidade, cultura, sujeito, identidade, Amazônia, Brasil, adesão restam termos precários, que escondem as verdadeiras lutas sociais e culturais – ainda necessárias a fazer.

E se digo que não foi “adesão”, mas “anexação” do Grão-Pará ao império brasileiro – ao imperialismo brasileiro – não é por arroubo retórico pautado pela metafísica de sempre, mas apenas para referir os mecanismos de poder que suavizam a violência do processo da autocolonialidade: é mais fácil homenagear a passividade política do aceite de que o anátema produzido pelo medo do mais forte.

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