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Palestras sobre os Amigos, n. 58: Otacílio e os afetos rolantes

Por ocasião da defesa de memorial acadêmico do prof Otacílio Amaral Filho na UFPA, publico mais esta "Palestra sobre os Amigos", em sua homenagem. O Tatá é um dos colegas mais éticos e sensíveis que conheci na minha vida acadêmica. Sempre aprendi muito com ele e sobre diferentes coisas: ser pesquisador, ser professor, ser cidadão, ser gente... e isso fora seus grandes temas, como a "marca Amazônia" e os "espetáculos culturais", dentre outros. Grande orgulho de ter a chance de trabalhar junto com ele. As "palestras", já expliquei antes, são pequenos textos que de homenagem aos meus amigos. A ironia discreta desses textos com o academicismo não conseguiria estar num lugar mais apropriado do que numa homenagem ao Otacílio - que sempre desconstruiu as pretenções por trás da ciuência. Uma oportunidade de lhe dizer OBRIGADO!


Palestras sobre os Amigos, n. 58.
Otacílio e os afetos rolantes
Senhoras e Senhores,
Meu amigo Otacílio A. F. possui a mesma desenvoltura de Simon Blackburn, professor de filosofia em Cambridge, na sua compreensão e esforço por democratizar, popularizar e desmistificar a Academia. Otacílio – e Blackburn – dentre muito poucos outros, efetivam seu compromisso com a acessibilidade ao saber. Por isso mesmo, trabalhar com Otacílio ao longo de toda a minha vida profissional – bem como com Blackburn, por uma tarde – enchem-me de orgulho e me fazem saber que estou no caminho certo, na construção de um saber autocrítico – virtude deles que procuro partilhar – e mesmo auto-irônico, pecado defeso aos dois nobres colegas mas do qual não consigo me libertar.
Foi lendo o sétimo capítulo do magnífico “Rulling Passions”, de Blackburn, que percebi, justamente, a grandeza do Otacílio. Isso porque, nesse texto, nosso cantabridgean thinker, buscando proceder uma investigação a respeito de nossa natureza enquanto seres deliberadores, argumentou em favor dos modelos “sentimentais” contra os modelos “racionais”.
Ora, ora, quem diria... Quem diria que um dia eu fosse ver, na academia, os fundamentos do agir moral serem abjugados pela moral, superior, de que somos seres eticamente imparcias... Que Kant, que nada! Recuperemos Hume!
Para Hume, o fundamento do nosso agir moral não é ditado por Deus e nem, muito menos, pela Razão, mas sim por nossa capacidade – e vontade, e predisposição, e determinação – de construirmos um ponto de vista comum. Essa é, precisamente, a argumentação de Blackburn naquele capítulo.
Ora... isso é Otacílio. Isso é a essência do pensamento otaciliano. Partir de Hume em direção a Otacílio significa percorrer o caminho comum que faz com que a humanidade reste a vicejar em nós. Significa, ainda, perceber que essa ridícula busca por um fundamento universal para a moral nada é, na história do pensamento ocidental, senão uma tentativa precária de evitar o relativismo ético a que posições como a de Hume, Blackburn e Otacílio conduzem.
Serei sempre grato aos aportes que a fenomenologia de Cambridge, desdenhosa e invulgar, me proporcionou, quando lá estive. Serei grato, igualmente, ao professor Blackburne, que me fez observar que a ética relativista supera Deus, a razão, a razão de Deus e, ainda, o deus-razão.
Por fim, serei eternamente grato a meu amigo Otacílio, que, atualizando Hume, pratica, com absoluta simplicidade, a ética do saber em comum.
Afinal outra não é a ética senão a ética de construir horizontes permissíveis. Outra ética não é ética senão a ética de fazer com o outro – horizonte por meio do qual podemos, e devemos, partilhar o evento raro da compreensão e nos esforçarmos por democratizar, popularizar e desmistificar as pretensões da Academia.
Fábio H-C.

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