O marxismo ocidental 6: Walter Benjamin
Walter Benjamin, estranho marxista. Marxista fenomenólogo, de certo modo; mas isso poderá parecer uma heresia... Não importa, ao menos para mim, que acredito que a realidade não se situa fora da pessoa... E isso sem nenhuma, absolutamente nenhuma, inspiração humanista. Escolho um elemento do seu pensamento, obscuro e denso, para ilustrar de que maneira ele se torna uma herança à esquerda. Esse elemento é a insistência, tantas vezes incômoda, de Benjamin, de que não há diferença alguma entre história, linguagem e verdade.
O cerne dessa questão está no uso que Benjamin faz do termo Darstellung. Que não deve ser lido como “representação”, como sugerem os dicionários e como faz Sérgio Rouanet nas muitas traduções que faz do autor. Representação é um processo mental que se faz de objetos exteriores a si. Benjamin nos fala de algo muito diferente: nos fala de sensação, de ímpeto, de impulso, de invenção. Darstellung, para ele, significa algo como sentir. É bem mais do que perceber.
Se percebermos bem, é uma idéia revolucionária no contexto de um pensador que se apresenta, insistentemente, como materialista dialético. Isso porque o cerne do idealismo materialista – se me permitem assim apresentar a obra de Marx e de seus primeiros seguidores – é, justamente, a percepção de que a realidade constitui um fato independente do sujeito e que esse fato pode ser “representado” sob diversas gradações ideológicas e, conseqüentemente, desvelado.
Ora, em Benjamin nenhum fato histórico é independente do sujeito intersubjetivo. A realidade não é algo idealizado por uma mente ou algo representado em uma mente. É algo intuído. A dialética de Benjamin é inversa. Ela não desvela a representação. Ao contrário, ela participa. Conhecer a história é produzir uma hemenêutica histórica, o que significa, de algum modo, participar da história.
É nesse sentido que toma corpo, na sua obra, a noção de Erlebniss, sempre em oposição à noção de Erfahrung. É nesse sentido que a Erlebniss é explicada como sendo própria do processo alegórico, e não do processo, por assim dizer, simbólico. Justamente porque não pressupõe a representação, mas sim a intuição, como mediação do conhecimento.
Também no horizonte dessa escolha que a verdade não desponta como algo que será alcançado por meio de um método, ou por um caminho (Weg) mas sim, antes, por um desvio (Unweg). Por isso é que Benjamin não pretende um conhecimento (Erkenntnis), mas sim uma exposição (Darstellung).
Esse desvio, a meu ver, seria uma herança à esquerda das mais importantes. Uma das coisas mais fundamentais para o futuro das esquerdas é perceber que não se trata de haver uma “verdade histórica” superior, que possa ser alcançada por meio de uma operação dialética. É fundamental vermos a história de forma mais hermenêutica, o que significa produzirmos análises menos idealistas.
Benjamin nos ensina um conceito de dialética muito mais factível que o de Marx.
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