Pular para o conteúdo principal

Heranças à Esquerda 23

O marxismo ocidental 6: Walter Benjamin
Walter Benjamin, estranho marxista. Marxista fenomenólogo, de certo modo; mas isso poderá parecer uma heresia... Não importa, ao menos para mim, que acredito que a realidade não se situa fora da pessoa... E isso sem nenhuma, absolutamente nenhuma, inspiração humanista. Escolho um elemento do seu pensamento, obscuro e denso, para ilustrar de que maneira ele se torna uma herança à esquerda. Esse elemento é a insistência, tantas vezes incômoda, de Benjamin, de que não há diferença alguma entre história, linguagem e verdade.
O cerne dessa questão está no uso que Benjamin faz do termo Darstellung. Que não deve ser lido como “representação”, como sugerem os dicionários e como faz Sérgio Rouanet nas muitas traduções que faz do autor. Representação é um processo mental que se faz de objetos exteriores a si. Benjamin nos fala de algo muito diferente: nos fala de sensação, de ímpeto, de impulso, de invenção. Darstellung, para ele, significa algo como sentir. É bem mais do que perceber.
Se percebermos bem, é uma idéia revolucionária no contexto de um pensador que se apresenta, insistentemente, como materialista dialético. Isso porque o cerne do idealismo materialista – se me permitem assim apresentar a obra de Marx e de seus primeiros seguidores – é, justamente, a percepção de que a realidade constitui um fato independente do sujeito e que esse fato pode ser “representado” sob diversas gradações ideológicas e, conseqüentemente, desvelado.
Ora, em Benjamin nenhum fato histórico é independente do sujeito intersubjetivo. A realidade não é algo idealizado por uma mente ou algo representado em uma mente. É algo intuído. A dialética de Benjamin é inversa. Ela não desvela a representação. Ao contrário, ela participa. Conhecer a história é produzir uma hemenêutica histórica, o que significa, de algum modo, participar da história.
É nesse sentido que toma corpo, na sua obra, a noção de Erlebniss, sempre em oposição à noção de Erfahrung. É nesse sentido que a Erlebniss é explicada como sendo própria do processo alegórico, e não do processo, por assim dizer, simbólico. Justamente porque não pressupõe a representação, mas sim a intuição, como mediação do conhecimento.
Também no horizonte dessa escolha que a verdade não desponta como algo que será alcançado por meio de um método, ou por um caminho (Weg) mas sim, antes, por um desvio (Unweg). Por isso é que Benjamin não pretende um conhecimento (Erkenntnis), mas sim uma exposição (Darstellung).
Esse desvio, a meu ver, seria uma herança à esquerda das mais importantes. Uma das coisas mais fundamentais para o futuro das esquerdas é perceber que não se trata de haver uma “verdade histórica” superior, que possa ser alcançada por meio de uma operação dialética. É fundamental vermos a história de forma mais hermenêutica, o que significa produzirmos análises menos idealistas.
Benjamin nos ensina um conceito de dialética muito mais factível que o de Marx.

Comentários

Alda Mary disse…
Obrigada pela aula, professor. Mas foi tão pouco... O senhor sabe ser suscinto, dizer as coisas com poucas palavras, mas vai dando na gente um gosto de quer-mais que nem lhe conto, viu? Deixo a sugestão de escrever mais sobre Walter Benjamin no blog.

Postagens mais visitadas deste blog

Eleições para a reitoria da UFPA continuam muito mal

O Conselho Universitário (Consun) da UFPA foi repentinamente convocado, ontem, para uma reunião extraordinária que tem por objetivo discutir o processo eleitoral da sucessão do Prof. Carlos Maneschy na Reitoria. Todos sabemos que a razão disso é a renúncia do Reitor para disputar um cargo público – motivo legítimo, sem dúvida alguma, mas que lança a UFPA num momento de turbulência em ano que já está exaustivo em função dos semestres acumulados pela greve. Acho muito interessante quando a universidade fornece quadros para a política. Há experiências boas e más nesse sentido, mas de qualquer forma isso é muito importante e saudável. Penso, igualmente, que o Prof. Maneschy tem condições muito boas para realizar uma disputa de alto nível e, sendo eleito, ser um excelente prefeito ou parlamentar – não estou ainda bem informado a respeito de qual cargo pretende disputar. Não obstante, em minha compreensão, não é correto submeter a agenda da UFPA à agenda de um projeto específico. A de

Leilão de Belo Monte adiado

No Valor Econômico de hoje, Márcio Zimmermann, secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, informa que o leilão das obras de Belo Monte, inicialmente previsto para 21 de dezembro, será adiado para o começo de 2010. A razão seria a demora na licença prévia, conferida pelo Ibama. Belo monte vai gerar 11,2 mil megawatts (MW) e começa a funcionar, parcialmente, em 2014.

Ariano Suassuna e os computadores

“ Dizem que eu não gosto de computadores. Eu digo que eles é que não gostam de mim. Querem ver? Fui escrever meu nome completo: Ariano Vilar Suassuna. O computador tem uma espécie de sistema que rejeita as palavras quando acha que elas estão erradas e sugere o que, no entender dele, computador, seria o certo   Pois bem, quando escrevi Ariano, ele aceitou normalmente. Quando eu escrevi Vilar, ele rejeitou e sugeriu que fosse substituída por Vilão. E quando eu escrevi Suassuna, não sei se pela quantidade de “s”, o computador rejeitou e substituiu por “Assassino”. Então, vejam, não sou eu que não gosto de computadores, eles é que não gostam de mim. ”