A respeito dos conselhos de comunicação, tive o seguinte diálogo, na caixa de comentários do post O Conselho Estadual de Comunicação do Ceará, com a jornalista Ana Teresa Brasil. Reproduzo-o abaixo:
- Poxa, adoro estudar história, especialmente a história da imprensa no Brasil. Por tudo o que já li, e ainda falta muito, constato que a imprensa sempre foi alvo de perseguições. Quando digo sempre é sempre mesmo. Desde a sua origem, pois Portugal impedia que a Colônia tivesse tipografias. Veio Dom João VI para o Brasil e inaugurou a Impremsa Oficial (Jornal Gazeta do Rio de Janeiro1808), censurando qualquer jornal que falasse mal do Rei (Nosso primeiro jornal teve que ser impresso em Londres, porque aqui não podia). Ora, seu filho, D. Pedro I, ficou em seu lugar e também baixou o cassete em quem ousasse criticar o imperador. D. Pedro II foi mais flexível, porém aqui continou havendo censura. Já instaurada a República, o que vemos? mais censura! Veio Getúlio Vargas e mais proibições. Depois, aí nem se fale, os militares cometeram as maiores atrocidades contra os jornalistas até 1985. Caramba! Agora que estamos começando a sentir o gostinho de liberdade, corremos o risco de sofrer ainda mais! Eu não aceito! Digo isso de peito aberto, pois entendo perfeitamente que abusos são cometidos e sou terminantemente contra o desrespeito praticado por alguns veículos (os cadernos de polícia estão cheios desses exemplos) e os de política também. Sei também que empresários e políticos fazem uso de seus veículos para dizer o que bem entendem (o que precisamos é rever nossos conceitos, muitos deles já ultrapassados sobre o tão temido poder dos Mass Media, no tom dado pela Escola Funcionalista - Robert Merton e Paul Lazarsfeld – EUA déc. de 40) . Mas tenho verdadeiro pavor de toda e qualquer restrição, pois é muito perigoso proibir abusos. Quem proibe? Quem decide que algo é abuso? Que veículo comete abuso? Que jornalista comete esses abusos? Olha, isso é muito delicado. Vamos ficar em alerta. Algumas coisas devem ser muito bem explicadinhas.... Ana Teresa Brasil - Jornalista
- Olá Ana Teresa, Você está certa. Os conselhos setoriais servem para ajudar a sociedade e se defender dos abusos dos governos e dos mercados. Como são conselhos formados por representantes da sociedade civil, escolhidos por eleição ou indicados por sua representatividade, os conselhos setoriais estão bem posicionados para proteger a sociedade de toda forma de abuso. No Brasil já temos Conselhos Nacionais e Estaduais (e alguns Municipais) de saúde, cultura, habitação, segurança, educação, etc. Por que não pode ter de comunicação? Quem está interessado em não permitir esse avanço? Alguns governos e, obviamente, os grandes grupos de comunicação. Obrigado pela visita.
- Fábio... sou contra os Conselhos e qualquer tipo de monitoramento à imprensa. Acho que não fui clara em meu comentário, com calma, poderei argumentar melhor. Obrigada pelo diálogo. Ana Teresa
- Ana Teresa, desculpe a mim, não ter compreendido bem sua posição. De qualquer forma, minha resposta pode ser reconduzida à condição de argumento... Em acréscimo, somente uma coisa: não vejo um Conselho de Comunicação como um "monitoramento". Penso que a sociedade precisa se defender de sua mídia, porque jornalista é uma coisa, empresa jornalística é outra. No aguardo de alguma oportunidade para ouvir suas idéias, agradeço também.
- Peguemos o exemplo da teoria Funcionalista. Aquela era a década de 40. Robert Merton e Paul Lazarsfeld estudavam os efeitos que os Mass Media provocavam na sociedade norte-americana(política, propaganda, informação). O rádio era o veículo mais acessado no momento. Teorias como aquelas surgiram de uma preocupação que cabia naquele contexto. Hoje, o chamado capitalismo informacional, como bem acentua Manuel Castells, nos apresenta outro contexto. Já podemos observar que as massas (o termo aqui é empregado de propósito) encontram mecanismos de resistência e ao decodificar as mensagens que lhes são "impostas" conseguem, sim, rejeitá-las ou transformá-las, e até mesmo produzir mensagens sobre outros assuntos. Movimentos sociais criam seus Blogs, colocam seus vídeo-documentários em praça pública ou na internet. Sabem identificar uma notícia tendenciosa. Ora, pois bem, se a sociedade não é tola, provando que hoje, cada vez menos, temos os "meios" como entidades soberanas e absolutas - então porque criar os ditos Conselhos? Quem teme a imprensa (especialmente a que tenta manipular fatos) contra "si", já deve começar a aceitar que não estamos mais nos anos 40 do século XX. Acredito que a "sociedade em rede", analisada com muita propriedade por Castells, continuará nos provando que, quanto mais os "abusos" forem cometidos mais serão repelidos. Repelidos de que forma? A possibilidade de termos este nosso diálogo pode ser um bom exemplo. Querido, um prazer falar com você. Ana Teresa
- Mas não é exatamente isso que Castells coloca. Na verdade, ele desconstrói a tese, sempre funcionalista, da autonomia do campo do mídia, sugerindo que, na sociedade em rede, há uma interpenetração dos diversos campos sociais. É por essa razão que a sociedade consegue produzir auto-controles, e não por outra. Ou seja: para se defender da sua mídia, a sociedade lança mão da estrutura em rede, conformada por mecanismos diversos, inclusive midiáticos, mas não só. Por exemplo, conselhos. Conselhos são mecanismos não-midiáticos que ampliam as formas de conexão do campo midiático. E isso é apenas um exemplo - já que está, justamente, em pauta. Acreditar que a sociedade controla a mídia sem extrapolar o campo midiático é puro funcionalismo, e isso não é Castells. Se você observar, Ana, você está atualizando o discurso e as teses do funcionalismo norte-americano, centradas na idéia de que o controle do abuso se dá, funcionalmente, por meio da experiência do abuso. E não é bem assim. Há uma dimensão simbólica na violência da mídia que é subjetiva, intersubjetiva, e que demanda o debate público, que demanda posicionamento da sociedade. A cultura contemporânea desfaz as fronteiras entre os campos sociais e é por, para citar um exemplo, que o conselho nacional de psicologia tem feito recomendações, à sociedade brasileira, de que crie mecanismos de controle sobre a veiculação de publicidade destinada ao público infantil. Quem faz essas recomendações são especialistas, pessoas competentes para isso, e suas recomendações são acompanhadas por argumentos sólidos e estudos consequentes, e por isso merecem ser levadas em conta. Sem essa ajuda, preciosa, a sociedade brasileira teria menos instrumentos para avaliar a publicidade feita para crianças. Isso dá o limite da utilidade social dos conselhos públicos: eles não servem para controlar, mas para qualificar a sociedade: tanto o debate social como o debate político.
- Fábio. Adorei a sua resposta e lhe deixo aqui algumas considerações finais (conclusão de trabalho acadêmico que volta e meia faço --- risos). Eu sonho com um país mais justo e feliz, isso porque já estou na casa dos 30, mas ainda quero mudar o mundo (espero que esse desejo não acabe nunca --- mais risos). Não tenho afinidades com os partidos tradicionais (herdeiros da colonização, República Velha, etc). Ao contrário, sou fã dos lutadores históricos dos partidos de esquerda. Tenho orgulho de ser governada por um presidente pertencente à classe operária. Acho isso lindo e sou testemunha dessa vitória, como cidadã e profissional, pois já era jornalista e trabalhava em redação quando Lula foi eleito pela primeira vez. Voltando ao caso dos Conselhos. Meu grande questionamento (conhecendo um pouco da história da nossa imprensa) é: se criarmos esse tipo de instrumento - que pode ter sim, uma razão nobre, a de nos unirmos contra os mal-feitores da mídia e assim, defendermos a democracia brasileira - poderemos abrir um precedente para um controle da imprensa que pode não ser nada nobre. Temo que, dependendo do contexto em que nos encontremos no futuro, aqueles que detiverem o poder nas mãos decidam usar, de acordo com seus interesses e conveniências, os Conselhos de Comunicação. Reforço que a imprensa sempre foi punida quando demonstrou ser contra governos. A imprensa nasceu assumindo causas políticas, este ou aquele interesse político-partidário. O nosso grande problema foi quando a imprensa tornou-se comercial capitalista e passou a usar o discurso da imparcialidade. Imparcial sabemos que ninguém é. O ideal seria que todos (como a globo, por ex.) deixassem claras as suas paixões políticas e que o público escolhesse, ou seja, cada um leria ou assistiria este ou aquele jornal com o qual tivesse mais afinidade (palavra de Fausto Neto). Mas enquanto isso não acontece, o bacana é ver o que já estamos presenciando: as redes sociais, as mobilizações pela internet, os Blgs, os vídeos no youtube, os documentários de Ongs sendo mostrados para populações de cidades pequenas. As resistências podem surgir de diferentes maneiras. Mas sou do tipo que prefere o lema: É proibido proibir! Eternamente defensora do jornalismo. Ana Teresa. Abraço pra você.
- Ana Teresa, Suas preocupações são legítimas e comprovadas pela história, mas a filosofia dos Conselhos é de que eles são empoderados pela sociedade civil, e não pelo Estado. Aliás, somente assim os conselhos podem funcionar como devem. Penso que o futuro do Brasil depende diretamente da capacidade de articulação da sociedade civil, bem como do seu fortalecimento. Ana, muito obrigado pela participação no blog.
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